1
“Afluindo uma grande multidão, e vindo ter com ele gente de todas as cidades, disse-lhes Jesus, por semelhança:
Saiu o que semeia, a semear a sua semente. E, ao semeá-la, uma parte caiu junto ao caminho, foi pisada e as aves do céu a comeram.
Outra caiu sobre pedregulho, onde não havia muita terra; nasceu depressa; mas, logo que saiu o sol, entrou a queimar-se, e, como não tinha raiz, secou.
Outra, finalmente, caiu em boa terra, vingou, cresceu, e alguns grãos deram fruto a trinta, outros a sessenta, e outros a cento por um.
Dito isto, começou a dizer em alta voz: O que tem ouvidos de ouvir, ouça.
Então os seus discípulos lhe perguntaram que queria dizer essa parábola, e ele, expli cando-a, lhes respondeu:
A semente é a palavra de Deus.
A que cai à beira do caminho, são aqueles que a ouvem; mas, depois, vem o mau e tira a palavra de seus corações, para que não su ceda que, crendo, sejam salvos.
A que cai no pedregulho, significa os que recebem com gosto a palavra, quando a ouvem; mas, não tendo raízes, em sobrevindo a tribu lação e a perseguição por causa da palavra, logo se escandalizam e voltam atrás.
Quanto a que caiu entre espinhos, são os que ouvem a palavra; mas, os cuidados deste mundo, a ilusão das riquezas e as outras pai xões, a que dão entrada, afogam a palavra, e assim fica infrutuosa.
Mas a que caiu em boa terra, são os que, ouvindo a palavra com coração reto e bom, a. retêm e dão fruto com perseverança.” (Mat. 13:1-23; Mar. 4:1-20; Luc. 8:4-15)
Nesta interessante parábola, Jesus retrata magistralmente o feitio moral de cada um da queles aos quais o Evangelho é anunciado.
Conforme a sua má ou boa vontade na aceitação da palavra de Deus, e a maneira como procedem após tê-la ouvido, os homens podem ser classificados como “beira de caminho”, “pedregal”, “espinheiro” ou “terra boa.”
A primeira classificação refere-se aos in diferentes, isto é, aos indivíduos ainda imaturos, não preparados para tal semeadura, indi víduos que se expressam mais pelo estômago e pelo sexo e cujos corações se mostram insen síveis a qualquer apelo de ordem mais elevada.
A segunda diz respeito a uma classe de pessoas de entusiasmo fácil, que, ao se lhes falar do Evangelho, aceitam-no prontamente, com júbilo; mas, não encontrando, dentro de si mesmas, forças suficientes para vencerem o comodismo, os vícios arraigados, os maus dese jos, etc., sentem-se incapazes de empreender a reforma de seus hábitos, a melhora de seus sentimentos, e, se acontece surgirem incom preensões e dificuldades por causa da doutrina, então esfriam de uma vez, voltando, presto, ao ramerrão de vida que levavam.
Os da terceira espécie são aqueles que, embora já tenham tido “notícias” dos ensina mentos evangélicos, e os admirem, e os louvem até, sentem-se, todavia, demasiadamente pre soa às coisas materiais, que consideram mais importantes que a formação de uma consciên cia espiritual. O medo do futuro, a luta pela conquista de garantias pessoais, vantagens e luxuosidades, sufocam, no nascedouro, os sen timentos altruísticos ou qualquer movimento de alma que implique a renúncia aos seus queridos tesouros terrestres.
Os definidos por último personificam os adeptos sinceros, nos quais as lições do Mestre Divino encontram magníficas condições de re ceptividade. Abraçam o ideal cristão de corpo e alma, e se esforçam no sentido de pô-lo em prática. Embora sofram tropeços e fracassem algumas vezes, perseveram, animosos, resul tando de seu trabalho abençoados frutos de benemerência e de amor ao próximo.
“Quem tenha ouvidos de ouvir, ouça.
2
“O reino dos céus — disse o Cristo — é semelhante a. um homem que semeou boa se mente no seu campo. Mas, enquanto os servos dormiam, veio um inimigo dele, semeou joio no meio do trigo e retirou-se.
Quando a erva cresceu e deu fruto, então
apareceu também o joio.
Chegando os servos ao dono do campo, disseram-lhe:
E ele lhes disse:
- Homem inimigo é que fêz isso.
Os servos continuaram:
- Queres, então, que o arranquemos?
— Não — respondeu ele —, para que não suceda que, tirando o joio, arranqueis junta mente com ele também o trigo. Deixai crescer ambos juntos até à ceifa; e no tempo da ceifa direi aos ceifeiros:
- Ajuntai primeiro o joio e atai-o em feixes para o queimar, mas o trigo, recolhei-o no meu celeiro.” (Mat. 13:24-30)
A significação dessa parábola parece-nos de uma nitidez meridiana.
O campo somos nós, a Humanidade; o se meador é Jesus; a semente de trigo — o Evangelho; a erva má — as interpretações capelo sas de seus textos; e o inimigo — aqueles que as têm lançado de permeio com a lídima dou trina cristã.
Mas o Divino Mestre fizera a boa semea dura, pregando e exemplificando o amor entre os homens, como condição indispensável ao advento de um clima de entendimento fraterno no mundo, eis que os supostos herdeiros de seu apostolado, açulados pelo egoísmo e pelo or gulho, começam a criar questiúnculas e dia sensões.
A Religião do Bem, objeto de sua missão terrena, de uma simplicidade incomparável, fragmenta-se em dezenas de religiões mais ou menos aparatosas, com sacerdócio organizado, sustentando dogmas ininteligíveis, preconizan do e mantendo cultos pagãos, exterioridades grotescas...
Surgem facções e subfacções, incriminan do-se reciprocamente de heréticas, heterodoxas, etc., e as que se tornam mais poderosas pro curam eliminar as outras, afogando-as em san gue, aniquilando-as nas torturas e nas chamas das fogueiras..
E assim, em nome daquele que fora a per sonificação da tolerância, da bondade e da do çura, séculos pós séculos a discórdia lavra pela Terra, os filhos do mesmo Deus empenham-se em lutas fratricidas, e milhares de vítimas su cumbem, aos golpes da mais estúpida e feroz odiosidade que há incendiado os corações hu manos!
Como pôde esse joio nascer e crescer de mistura com o bom trigo? E’ que, segundo a palavra de Jesus, os servos “dormiram”, isto é, deixaram de “orar e vigiar”, permitindo, assim, que o erro ganhasse raízes.
Contemplando essa confusão religiosa, mui tos se admiram de que a Providência não na tenha eliminado do globo. Esse dia, entre tanto, chegará.
O joio, ao brotar, é muito parecido com o trigo e arrancá-lo antes de estar bem cres cido seria inconveniente, por motivos óbvios. Na hora da produção dos frutos, em que será perfeita a distinção entre ambos, já não haverá perigo de equívoco: será ele, então, atado em feixes para ser queimado.
Aproxima-se a época em que a Terra deve passar por profundas modificações, física e socialmente, a fim de transformar-se num mundo regenerador, mais pacífico e, consequentemen te, mais feliz.
Quando os tempos forem chegados, todos os sistemas religiosos, que se hajam revelado intolerantes e opressores, cairão reduzidos a. nada, e todos quantos não se afinem, com a nova ordem de coisas, conhecerão o “fogo” da expiação em mundos inferiores, mais de conformidade com o caráter de cada um.
Por outro lado, as almas avessas à guerra, à maldade, ao despotismo, enfim a tudo quanto tem impedido o estabelecimento da fraterni dade cristã entre os homens de todas as pá trias e de todas as raças, estas hão-de merecer o futuro lar terrestre, higienizado em sua aura astral e equilibrado em suas condições climá ticas, gozando, finalmente, a paz, a doce e alegre paz, de há muito prometida às criatu ras de boa vontade.
3
“O reino dos céus é semelhante a um grão de mostarda, que um homem tomou e lançou no seu campo.
Esse grão é, na verdade, a menor de todas as sementes, mas depois de crescida é a maior das hortaliças, e se faz árvore, de tal modo que as aves vêm fazer ninho em seus ramos.
O reino dos céus é semelhante ao fermento, que uma mulher tomou e escondeu em três medidas de farinha, até que ficasse levedada toda a massa.” (Mat. 13:31-33)
Temos aqui mais duas parábolas, peque ninas no texto, mas encerrando ensinamentos de grande relevância.
Em ambas, o reino dos céus é comparado aos fenômenos do crescimento e da expansão.
O grão de mostarda, tomado como símbolo na primeira, é, de fato, uma semente mi núscula; mas, uma vez lançada à terra, auxi liada pela humidade, germina, deita raízes, através das quais assimila os elementos de que necessita; projeta-se então para o ar livre, e já agora, aos bafejas da luz e do calor solar, ramifica-se o seu caule, emite folhas, vai-se desenvolvendo mais e mais, até que reproduz a planta de onde proveio, tornando-se a maior das hortaliças, em cuja ramagem as aves po dem pousar e até fazer os seus ninhos.
Assim acontece com a implantação do rei no dos céus na alma humana.
Seja por indiferença religiosa, ou outras razões quaisquer, leva algum tempo para que ela adquira condições de receptividade favo ráveis a tal evento. Mas, sentido que seja esse avivamento interior, com a assimilação do Evangelho em espírito e verdade, um incoer cível impulso de ascensão marca-lhe novos ru mos à existência.
Embora presa às inibições do erro e da imperfeição, vislumbra nos altos cimos as es feras resplandecentes e gloriosas onde outras almas, mais evolutidas, gozam a plenitude da felicidade, e essa visão encoraja-a, empolga-a, dando-lhe forças para trabalhar, sem esmore cimento, no próprio crescimento.
O estudo e a pesquisa dilatam-lhe os ho rizontes de percepção; adquire uma fé viva e inabalável, porque baseada no conhecimento; expande-se sua consciência espiritual; o es forço e a boa vontade levam-na às mais esplên didas realizações no campo do Bem; e assim, num aperfeiçoamento diuturno, vem a cons tituir-se um ponto de apoio às outras criaturas, que dela se acercam, sequiosas de ajuda e re frigério para os seus males, como as aves buscam repouso na sombra amena e acolhe dora do arvoredo.
Dia virá em que, de expansão em expan são, chegará a igualar-se ao divino modelo, tor nando-se, então, uma alma cristianizada.
O fermento, a que se referiu o Mestre na segunda das parábolas em análise, colocado, igualmente, em pequena porção na massa de farinha, faz que, depois de algum tempo, toda ela fique levedada, determinando-lhe o cresci mento, sem o que o pão se tornaria pesado, indigesto, e portanto impróprio para o con sumo, pelas fermentações e perigosos males que produziria no organismo.
O Entendimento Espiritual, semelhantemente, produz profunda e substancial modifi cação sobre todos os elementos da alma hu mana, transformando-os em preciosos fatores da Evolução.
Fá-la compreender que uma estreita soli dariedade nos liga uns aos outros, que é ilu sório querer-se avançar sozinho, pois o que não beneficia a todos, não beneficia realmente a ninguém.
Sem ele, porém, enceguecida pelos egoísmos pessoais, de classes e de raças, a Huma nidade, desvirtuando o uso dos conhecimentos que possui, poderá resvalar para o abismo e para o caos, na mais terrível hecatombe de todos os tempos.
“Ainda que eu penetrasse todos os misté rios, e tivesse perfeita ciência de todas as coisas, se não tiver caridade, nada sou” — disse Paulo (1 Cor. 13:2).
Busquemos, pois, a Sabedoria, porquanto toda ciência é útil, mas busquemos em pri meiro lugar aquilo que nos possibilite ajudar e servir ao próximo.
Assim fazendo, estaremos edificando, des de já o reino dos céus em nossas almas.
4
Parábolas do tesouro escondido e da pérola
“O reino dos céus é semelhante a um tesouro que, oculto no campo, foi achado e escondido por um homem, o qual, movido de gozo, foi vender tudo o que possuía e comprou aquele campo.
É semelhante, ainda, a um negociante que buscava boas pérolas, e, tendo achado uma de grande valor, foi vender tudo o que possuía e a comprou.” (Mat. 13:44-46)
Nestas duas parábolas tão singelas quão expressivas, Jesus compara o reino dos céus a “um tesouro oculto no campo” e a “uma pérola de grande valor”, dizendo que aquele que tem a ventura de achá-los, é tomado de tal gozo que não titubeia em dispor de todos os seus haveres para adquiri-los.
Esse tesouro ou essa pérola, é bem de ver-se, não é senão a alma humana. “O reino dos céus está dentro de vós”, dissera de outra feita o Divino Mestre, deixando bem claro que o reino celestial significa, não um lugar no espaço, mas algo que se verifica no íntimo de cada um.
Geralmente, procura o homem edificar a felicidade sobre as posses materiais, a ascen dência social, a fama ou a saúde, mas estas coisas são precárias e incertas, pois podem du rar, no máximo, uma existência, enquanto um terremoto, uma enchente, um incêndio, os aza res da fortuna, uns micróbios em seu sangue ou determinado humor em seus fluidos orgâni cos não as arruinarem por completo.
Jazem ocultas, a milhões de criaturas, coisas mais belas e grandiosas: os bens espi rituais, que são, aliás, os únicos valores reais e duradouros, ante os quais aquilo tudo pouco ou quase nada importa.
Possuir esses bens espirituais, as virtudes cristãs, é conquistar o reino dos céus, porque o conhecimento e o amor de Deus nos fazem desfrutar tal estado de paz e de alegria que nada e ninguém conseguirá destruir ou per turbar.
Por isso, como diz a parábola, quando al guém “descobre” no campo de si mesmo esse tesouro de tão subido valor, que é a própria alma, e a sabe imortal, e fadada a alcançar o mais excelso destino: sua integração à única Realidade Absoluta — Deus! — todas as ilu sões da materialidade, todas as gloriosas do mundo, e até mesmo o bem-estar do corpo fí sico, se tornam de somenos importância. En tão, cheio de júbilo, sabendo que a felicidade verdadeira depende, não daquilo que se tem, mas daquilo que se é, vai “vender tudo o que possui”, isto é, desprender-se das pseudo-pro priedades e distinções terrenas, para cuidar precipuamente do enriquecimento de sua Cons ciência Espiritual, a mais preciosa das pérolas, cuja posse vale o sacrifício de todos os bens de menos valor, de tudo aquilo que considerava importante e valioso em sua vida.
*
Não se entenda, o que seria errôneo, que a posse dos valores espirituais seja incompa tível com a posse das coisas materiais. Não.
O que se quer salientar é que para o nosso progresso espiritual faz-se mister vivermos mais intensa e sinceramente em função dos ideais superiores, dedicando-lhes maior atenção do que às aquisições materiais, que devem cons tituir-se apenas um meio de realizarmos os nossos objetivos, e não um fim em si mesmo.
Quem se disponha a assim proceder, so brepondo os interesses da alma a quaisquer outros, não deve temer que lhe venha a faltar o necessário à subsistência, porquanto Jesus nos assevera, no seu Evangelho, que, “se bus carmos primeiramente o reino de Deus e a sua justiça, todas as outras coisas nos serão dadas de acréscimo”.
5
Parábola da rede
“Finalmente, o reino dos céus é semelhante a uma rede, que foi lançada ao mar e apanhou peixes de toda a espécie.
Depois de cheia, os pescadores puxaram-na para a praia, e, sentados, puseram os bons em cestos, deitando fora os ruins.
Assim será no fim do mundo: sairão os anjos e separarão os maus dentre os justos, e os lançarão na fornalha de fogo, onde haverá choro e ranger de dentes.” (Mat. 13:47-50) Em que pese à doutrina das Igrejas tidas por ortodoxas, que afirma seremos salvos ou condenados segundo aceitemos ou rejeitemos a Jesus Cristo, pessoalmente, como nosso Sal vador, esta edificante parábola — a última de uma série de sete, proposta pelo Mestre a seus discípulos — nos ensina, uma vez mais, que nossa aceitação ou rejeição no reino dos céus depende tão só e unicamente do cumprimento ou da negligência dos nossos deveres de amar e servir a Humanidade.
A simples crença ou incredulidade no po der de salvação pelo sangue do Cristo, em que essas Igrejas põem tanta ênfase, não têm a mínima influência na determinação de nossa sorte futura.
Admitido que assim fosse, a maioria da Humanidade estaria perdida, pois o Cristia nismo só é conhecido e (mal) praticado por menos de um terço da população mundial.
A aceitação do Cristo como nosso redentor só tem eficácia quando se traduz em um esforço sincero e constante no sentido de reproduzir-lhe o espírito em nossa própria vida, ou seja, quando procurarmos modelar o nosso caráter pelo seu, pautando nossa conduta pelas dire trizes do Evangelho.
Aliás, todo o Novo Testamento está reple to de passagens que estabelecem categoricamente que o julgamento dos homens será ba seado em seus feitos e não em sua fé.
A expressão “fim do mundo”, usada pelo Mestre, não deve ser tomada em sentido abso luto, porquanto a Terra e todos os planetas do Universo são obras de Deus, e elas não foram feitas para morrer.
Significa, apenas, o fim deste ciclo evolu tivo da Humanidade terrena, com o desapare cimento de todos os seus usos, costumes e ins tituições contrários à Moral e à Justiça.
É o fim do mundo velho, com suas confu sões, suas discórdias, seus convencionalismos, suas iniqüidades sociais, seus ódios, suas lutas armadas, e o advento de um mundo novo, sob a égide da verdade, do bom entendimento, da lisura de caráter, da eqüidade, do amor, da paz e da fraternidade universal.
Os anjos são os Mentores Espirituais deste planeta; que velam pelo seu destino, aos quais estará afeta a expulsão dos maus: os açambar cadores, os avarentos, os déspotas, os corrup tores, os devassos, os desonestos, os explora dores, os hipócritas, os ladrões, os libertinos, os maldizentes, os orgulhosos, os sanguinários, enfim todos os que tenham feito mau uso de seu livre arbítrio e hajam malbaratado as inú meras oportunidades que lhes foram concedidas (através das reencarnações) para a realização de seu progresso espiritual.
A rede representa a Lei de Amor, inscrita por Deus em todas as consciências, e os peixes de toda a espécie apanhados por ela são os homens de todas as raças e de todos os credos, que serão julgados de acordo com as suas obras.
O texto é claríssimo nesse ponto, não dei xando margem a qualquer dubiedade: “ e puseram os bons em cestos, deitando fora os ruins.
Quando, pois, o ciclo se fechar, a sorte dos justos será passar a um plano “à direita do Cristo”, plano que aqui será implantado no correr do terceiro milênio, constituído de almas cristãs, afeitas ao bem, onde fruirão de imper turbável felicidade; e a dos maus, a de serem lançados na “fornalha de fogo”, símbolo dos mundos inferiores, de expiação e de provas, onde terão que se depurar, entre lágrimas e dores, até que mereçam acesso a uma esfera melhor.
6
Parábola do credor incompassivo
“O reino dos céus é comparado a um rei, que resolveu ajustar contas com os seus servos.
Ao fazê-lo, apresentou-se-lhe um que lhe devia dez mil talentos; mas, como não tivesse com que pagar, ordenou o seu senhor que ven dessem a ele, a sua mulher, a seus filhos, e tudo o que tinha, para ficar quite da dívida.
O servo, porém, lançando-se-lhe aos pés, suplicou-lhe: Tem paciência comigo, que tudo te pagarei.
Então o senhor, compadecido daquele ser vo, deixou-o ir livre, e perdoou-lhe a dívida.
Tendo saído o tal servo, encontrou um de seus companheiros, que lhe devia cem denários, e, agarrando-o, sufocava-o, dizendo: Paga o que me deves.
O companheiro, lançando-se-lhe aos pés, implorou: Tem paciência comigo, que tudo te pagarei.
Ele, porém, não o atendeu. Retirou-se e fêz que o metessem na cadeia, até pagar a dívida.
Vendo, pois, os outros servos, o que se tinha passado, ficaram muito tristes e foram contar ao senhor tudo o que havia acontecido.
Então, o senhor chamou-o à sua presença e disse-lhe: Servo malvado, eu te perdoei toda aquela dívida, porque me vieste rogar para isso; não devias tu também ter compaixão de teu companheiro, como eu tive de ti?
E, indignando-se, o seu senhor o entregou aos verdugos, até que pagasse tudo quanto lhe devia.
Assim também meu Pai celestial vos fará, se cada um de vós, do íntimo do coração, não perdoar a seu irmão.” (Mat. 18:23-35)
Esta parábola de Jesus é uma ilustração admirável daquela frase contida na oração dominical, em que ele nos ensina a rogar ao Pai celestial: “perdoa as nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores.”
O primeiro servo era devedor da quantia de dez mil talentos, soma fabulosa, que, em nossa moeda, equivaleria hoje a uns duzentos milhões de cruzeiros.
Esse devedor, vendo-se ameaçado de ser vendido, e mais a mulher, os filhos, e tudo quanto possuía, para resgate da divida, pediu moratória, isto é, um prazo para que pudesse satisfazer a tão vultoso compromisso, e o rei, compadecendo-se dele, deferiu-lhe o pedido.
Pois bem, mal havia obtido tão generoso atendimento, eis que encontrou um companheiro que lhe devia uma bagatela, ou sejam, cem denários (aproximadamente quatrocentos cru zeiros) e, para reaver o seu dinheiro, não titu beou em usar de recursos violentos.
Lamentavelmente, esta é, ainda em nossos dias, a norma de conduta de grande parte da Humanidade. Reconhece-se pecadora, não nega estar sobrecarregada de dívidas perante Deus, cujas leis transgride a todo instante, mas, ao mesmo tempo que suplica e espera ser perdoada de todas as suas prevaricações, age, com rela ção ao próximo, de forma diametralmente opos ta, negando-se a desculpar e a tolerar quaisquer ofensas, por mais mínimas que sejam.
Continua a parábola dizendo que o rei, posto a par do que havia acontecido com o se gundo servo, mandou vir o primeiro à sua pre sença e, em nova disposição, após verberar-lhe a falta de comiseração para com o seu compa nheiro, determinou aos verdugos que o pren dessem e o fizessem trabalhar à força “até que pagasse tudo quanto lhe devia.”
Este tópico da narrativa evangélica é de suma importância. Revela, claramente, que há sempre um limite no pagamento das dívidas. Estas podem, algumas vezes, ser realmente muito vultosas, como no caso prefigurado — dez mil talentos! — mas, uma vez pago esse montante, o devedor fica com direito à qui tação.
Semelhantemente, o pagamento de dez mil pecados pode determinar longos períodos de sofrimento, muitas existências expiatórias, mas, uma vez restabelecido o equilíbrio na balança da Justiça Divina, ninguém pode ser coagido a ficar pagando eternamente aquilo de que já se quitou.
Jesus finaliza, afirmando: “Assim também meu Pai celestial vos fará, se cada um de vós, do íntimo do coração, não perdoar a seu irmão.”
Disto se conclui que a vontade de Deus é que nos adestremos na prática do perdão e da indulgência, e, para estimular-nos à conquista dessas virtudes, a todos favorece com Sua longanimidade e inexcedível misericórdia.
Àqueles, porém, que se mostram impiedo sos e brutais nas atitudes que assumem contra os que os ofendem ou prejudicam, faz que co nheçam, a seu turno, o rigor da Providência, a fim de que aprendam, por experiência pró pria, qual a melhor maneira de tratar seus se melhantes.
7
Parábola dos trabalhadores e das diversas horas do trabalho
Disse Jesus:
“O reino dos céus é semelhante a um pai de família que saiu de madrugada, a fim de assalariar trabalhadores para a sua vinha.
Tendo convencionado com os trabalhado res que pagaria um denário a cada um por dia, mandou-os para a vinha.
Saiu de novo à terceira hora do dia e, ven do outros que se conservavam na praça sem fazer coisa alguma, disse-lhes:
— Ide também vós outros para a minha vinha e vos pagarei o que for razoável. Eles foram.
Saiu novamente à hora sexta e à hora nona do dia e fez o mesmo.
Saindo mais uma vez à hora undécima, encontrou ainda outros que estavam desocupa dos, aos quais disse:
— Porque permaneceis aí o dia inteiro sem trabalhar?
Disseram eles:
— É que ninguém nos assalariou.
Ele então lhes disse:
— Ide vós também para a minha vinha.
Ao cair da tarde, disse o dono da vinha àquele que cuidava dos seus negócios:
— Chama os trabalhadores e paga-lhes, começando pelos últimos e indo até aos pri meiros.
Aproximando-se então os que só à undé cima hora haviam chegado, receberam um de nário cada um. Vindo a seu turno os que tinham sido encontrados em primeiro lugar, julgaram que iam receber mais, porém receberam apenas um denário cada um.
Recebendo-o, queixaram-se ao pai de fa mília, dizendo:
— Estes últimos trabalharam apenas uma hora e lhes dás tanto quanto a nós, que suportamos o peso do dia e do calor.
Mas, respondendo, disse o dono da vinha a um deles:
— Meu amigo, não te causo dano algum. Não convencionaste comigo receber um denário pelo teu dia? Toma o que te pertence e vai-te; apraz-me a mim dar a este último tanto quanto a ti. Não me é então lícito fazer o que quero? Tens mau olho, porque sou bom?
Assim, os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos, porque muitos são os chamados e poucos os escolhidos.” (Mateus, 20:1 a 16)
*
À primeira vista, pode parecer que Jesus, nesta parábola, esteja consagrando a arbitrariedade e a injustiça.
De fato, não seria falta de eqüidade pagar o mesmo salário, tanto aos que trabalham doze horas, como aos que trabalham dois terços, a metade, um terço, ou apenas um duodécimo da jornada?
Sê-lo-ia, efetivamente, se todos os traba lhadores tivessem a mesma capacidade e eficiência. Tal, porém, não é o que se verifica. Há operários diligentes, de boa vontade, que, devotando-se de corpo e alma às tarefas que lhes são confiadas, produzem mais e melhor, em menos tempo que o comum, assim como há os mercenários, os que não têm amor ao tra balho, os que se mexem somente quando são vigiados, os que estão de olhos pregados no relógio, pressurosos de que passe o dia, cuja produção, evidentemente, é muito menor que a dos primeiros.
Uma vez, pois, que o mérito de cada obrei ro seja aferido, não pelas horas de serviço, mas pela produção, que interessa ao dono do negó cio saber se, para dar o mesmo rendimento, um precisa de doze horas, outro de nove, outro de seis, outro de três e outro de uma?
Malgrado a diversidade das horas de tra balho, a remuneração igual, aqui, é de inteira justiça.
Transportando-se esta parábola para o campo da espiritualidade, o ensino não se per de; pelo contrário, destaca-se ainda mais. O pai de família é Deus; a vinha somos nós, a Humanidade; e o trabalho, a aquisição das vir tudes que devem enobrecer nossas almas.
Para realizar esse desiderato, uns precisam de menos tempo, outros de mais, conforme cumpram, bem ou mal, os seus deveres.
O prêmio, entretanto, é um só: a alegria, o gozo espiritual decorrente da própria evolu ção alcançada.
Neste texto evangélico confirma-se, ainda que de forma velada, a doutrina reencarnacio nista.
Os trabalhadores da primeira hora são os espíritos que contam com maior número de encarnações, mas que não souberam aprovei tá-las, perdendo as oportunidades que lhes fo ram concedidas para se regenerarem e progre direm. Os trabalhadores contratados posteriormente simbolizam os espíritos que foram gera dos há menos tempo, mas que, fazendo melhor uso do livre-arbítrio, caminhando em linha reta, sem se perderem por atalhos e desvios, logra ram em apenas algumas existências o progresso que outros tardaram a realizar. Assim se ex plica porque “os primeiros poderão ser os últimos e os últimos serem os primeiros” a ganhar o reino dos céus.
Esta interessante parábola constitui, ainda, um cântico de esperança para todos. Por ela, Jesus nos ensina que qualquer tempo é oportuno para cuidarmos do aperfeiçoamento de nossas almas, e, quer nos encontremos nos albores da existência, quer es@ aceitemos, com boa disposição, o convite para o trabalho, havere mos de fazer jus ao salário divino.
8
Parábola dos dois filhos
Um dia em que Jesus, tendo ido ao templo de Jerusalém, ensinava ao povo, anunciando-lhe o Evangelho, chegaram-se a ele os prín cipes dos sacerdotes, os escribas e os anciães, e o interpelaram com que autoridade fazia tais coisas.
O Mestre redarguiu com outra pergunta, a que não souberam responder, e, porque fi casse evidente a hipocrisia deles, lhes propôs, em seguida, esta parábola:
“Que vos parece? Um homem tinha dois filhos, e, chegando ao primeiro, lhe disse: Fi lho, vai trabalhar hoje na minha vinha. Ele respondeu: Não quero. Mas depois, tocado de arrependimento, foi.
Falou do mesmo modo ao outro, que, res pondendo, disse: Irei, senhor. Mas não foi.”
Dito isto, indagou: Qual dos dois fez a vontade do pai?
Responderam eles: o primeiro.
Jesus então os censurou com estas pala vras: “Na verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes entrarão primeiro que vós no reino de Deus.” (Mat. 21:28-31)
*
Os dois filhos, nessa imaginosa e interes sante parábola, constituem modelos das duas espécies de personalidade predominantes entre os terrícolas.
O filho que disse: não vou; mas depois, arrependido, foi, representa aqueles que, indi ferentes aos ideais superiores, levam uma vida puramente mundana, deixando-se dominar pe los vícios e paixões que constituem o deleite de toda carne ainda não sujeita ao espírito.
Chega um dia, porém, em que, saturando-se das misérias da vida, enojados dos falsos prazeres, “caem em si”, descobrem os gozos e as delícias que a alma pode sentir na virtude e na prática do Bem, e então, sinceramente arrependidos, se regeneram, transformando-se em obreiros da “vinha do Senhor”.
O filho que disse: irei, senhor; mas não foi, personifica, a seu turno, os devotos sem obras, os que atravessam toda a existência pro curando manter uma aparência de respeito e de religiosidade, que se mostram muito cuida dosos no tocante às “obrigações” estatuídas pelo culto tradicional, como se isso fosse “tudo”, e, nessa enganosa suposição, não cogitam de vencer as suas fraquezas e imperfeições, nem se preocupam em realizar algo a benefício da coletividade.
Esses tais geralmente gozam de bom con ceito, são tidos e havidos como pessoas inatacáveis, sentem-se orgulhosos e satisfeitos por isso; entretanto, não estão correspondendo ao chamado para o bom trabalho.
Incluem-se neste número os mentores reli giosos de todos os credos, que deveriam guiar os membros de suas igrejas ao conhecimento da verdade e, com seus exemplos, edificá-los na observância às Leis de Deus, mas que, ou por desídia, ou porque se achem, absorvidos em questões de interesse material, não cumprem a elevada missão de que estão investidos.
Por isso é que Jesus, dirigindo-se aos sa cerdotes, escribas e anciães, cujos deveres eram precisamente esses, lhes disse, sem rebuços, que “os publicanos e as meretrizes lhes leva riam a dianteira para o reino de Deus.”
Publicanos e meretrizes simbolizam, aqui, os grandes pecadores, aos quais a sociedade tem como réprobos desprezíveis e indignos de qualquer auxílio divino.
Não obstante, o Mestre declara que eles entrarão no reino dos céus antes daqueles que contam com a aprovação social e já se consi deram “salvos”.
É que esses pecadores, porque muito vêm a sofrer, adquirem sensibilidade, tornam-se acessíveis, e, quando tocados pelo amor, mudam de vida. Aproveitando, então, a experiência adquirida através de duras provas, alguns há que se tornam santos até, legando ao mundo exemplos admiráveis de verdadeiro renasci mento espiritual.
9
Parábola dos lavradores maus
“Havia um proprietário, que plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou ali um lagar, edificou uma torre e depois a arrendou a uns lavradores, ausentando-se para longe.
Ao aproximar-se o tempo dos frutos, en viou seus servos aos lavradores, para recebe rem os frutos que lhe tocavam. Estes, agar rando os servos, mataram um, feriram outro e a outro apedrejaram, recambiando-os sem coisa alguma.
Enviou ainda outros servos, em maior número do que os primeiros, e fizeram-lhes o mesmo.
Por último, enviou-lhes seu filho, dizendo:
— Hão-de ter respeito a meu filho.
Mas, vendo-o, os lavradores disseram en tre si: este é o herdeiro; vinde, matemo-lo e ficaremos senhores de sua herança. E lan çando-lhe as mãos, puseram-no fora da vinha e o mataram.
Quando, pois, vier o Senhor da vinha, que fará àqueles lavradores?
Responderam-lhe: Destrui-los-á rigorosamente, e arrendará a sua vinha a outros lavra dores, que lhe paguem os frutos a seu tempo devidos.” (Mat. 21:33-41)
A interpretação desta parábola é extrema mente fácil, tão precisos são os caracteres de suas personagens e os fatos a que se reportam.
O proprietário é Deus; a vinha é a Religião do Amor que deverá ser implantada na Humanidade terrena; e os lavradores a quem a vinha foi arrendada são os sacerdotes de todas as épocas, desde os que sacrificavam animais para oferecer em holocausto nos altares do judaís mo até os de hoje, que oficiam em suntuosos templos e catedrais. Os frutos são a piedade cristã, o progresso moral, e os servos incum bidos de recebê-los são os missionários envia dos por Deus à Terra, de tempo em tempo, a exemplo dos profetas da antigüidade, João Huss, Savonarola, Lutero, etc., os quais, por re clamá-los à casta sacerdotal, verberando-lhes a incúria no trato das coisas divinas, foram por ela perseguidos, injuriados e mortos.
O filho do proprietário é Jesus, cujo mar tírio ignominioso na cruz foi, também, obra exclusiva do sacerdotalismo.
A herança é o reino dos céus, de que o sacerdócio hierárquico pretende ter a posse, constituindo-se seu único dispensador.
Arrogando-se os poderes inerentes ao her deiro, os sacerdotes, ao invés de cultivarem a vinha, abandonaram-na, esqueceram-na; favo receram o desenvolvimento de plantas dani nhas, deixando, assim, o proprietário sem os frutos devidos.
De fato, após séculos e séculos de influên cia absoluta sobre as consciências, que resul tado têm a apresentar ao Senhor da vinha? A indiferença religiosa, o ateísmo e toda a sorte de males decorrentes dessa estagnação espiritual.
O domínio desses lavradores maus, porém, está a findar-se.
Por toda parte, suas organizações pseu do-religiosas, dogmáticas e obscurantistas, ei vadas de formalismos, cerimônias cultuais, ritos e pompas exteriores, estão em franca decadência.
Sim, os dias desses rendeiros relapsos es tão contados.
Durante muito tempo, a pretexto de com bater heresias e apostasias, eles torturaram, massacraram e queimaram os enviados do Se nhor, que lhes vinham cobrar os frutos da vi nha. Já agora, a última parte da parábola começa a realizar-se: estão perdendo todo o prestígio que gozavam junto aos governantes e a ascendência que tinham sobre as massas populares, assistindo, apavorados, à deserção de suas igrejas; estão sendo destruídos rigorosamente, aqui, ali e acolá, sofrendo na própria carne aquilo que fizeram a outrem padecer.
Entrementes, eis que surge o Espiritismo (a falange de novos lavradores), a substituí-los na sublime tarefa de que não souberam dar boa conta.
Profligando todos os sectarismos estreitos e antifraternos, e oferecendo à Humanidade um novo lábaro, em que se lê: “Fora da cari dade não há salvação”, o Espiritismo está ga nhando, rapidamente, a simpatia e a adesão de todas as criaturas de boa vontade, e há reali zado, em apenas alguns decênios, um extraor dinário revivescimento espiritual, a par de uma obra social verdadeiramente impressio nante, numa demonstração inequívoca de que os novos rendeiros saberão, de fato, cumprir os seus deveres para com o Senhor.
Quem tiver “olhos de ver”, veja...
10
Parábola das bodas
Tendo ido ao templo de Jerusalém, onde foi argüido pelos príncipes dos sacerdotes e pelos fariseus, disse-lhes Jesus:
“O reino dos céus se assemelha a um rei que querendo festejar as bodas de seu filho, despachou seus servos a chamar para o festim os que tinham sido convidados; estes, porém, recusaram ir.
O rei despachou outros servos com ordem de dizer da sua parte aos convidados: Preparei o meu jantar; mandei matar os meus bois e todos os meus cevados; tudo está pronto; vin de às bodas.
Eles, porém, sem se incomodarem com isso, lá se foram, um para sua casa de campo, outro para o seu negócio. Os outros pegaram dos servos e os mataram, depois de lhes ha verem feito muitos ultrajes.
Sabendo disso, o rei se tomou de cólera e, mandando contra eles seus exércitos, exterminou os assassinos e lhes queimou a cidade. Depois, disse a seus servos: O festim das bodas está inteiramente preparado; mas, os que para ele foram chamados não eram dignos dele. Ide, pois, às encruzilhadas e chamai para as bodas todos quantos encontrardes.
Os servos então saíram pelas ruas e trou xeram todos os que iam encontrando, bons e maus; a sala das bodas se encheu de pessoas que se puseram a mesa.
Entrou em seguida o rei, para ver os que estavam à mesa, e, dando com um homem que não vestia a túnica nupcial, disse-lhe: Meu amigo, como entraste aqui sem a túnica nup cial? O homem guardou silêncio. Então, disse o rei à sua gente: Atai-lhe as mãos e os pés e lançai-o nas trevas exteriores; aí é que haverá prantos e ranger de dentes, porquanto, muitos há chamados, mas poucos escolhidos.” (Mat. 22:1 a 14)
*
Parábolas, como sabemos, são narrações alegóricas, encerrando doutrina moral.
Jesus, pedagogo emérito, recorria freqüen temente a elas, já porque era a melhor maneira de interessar os seus ouvintes, já também por que sabia que é muito mais fácil assimilar e reter qualquer ensinamento, quando materiali zado, isto é, objetivado através de um enredo, do que quando ministrado de forma subjetiva.
Na parábola em tela, o Rei é Deus, nosso Pai Celestial, e o festim de bodas, é claro, sim boliza o Reino dos Céus, cujo advento coube a Cristo Jesus anunciar e preparar, pela prega ção de seu Evangelho.
Os primeiros convidados são os hebreus, pois a eles é que foram enviados os primeiros emissários, ou sejam, os profetas, anunciando-lhes a vinda do Messias, bem assim exortan do-os a que se arrependessem de seus erros e se conduzissem de forma mais condizente com as Leis Divinas reveladas no monte Sinai.
As palavras desses emissários, porém, não encontrou receptividade entre os hebreus, que lhes desprezaram as advertências e exortações.
Não obstante a má vontade manifestada por eles, à semelhança da parábola, envia-lhes Deus o próprio Jesus, a fim de lhes recordar e aperfeiçoar o conteúdo daquelas Leis, cuja observância lhes daria a conhecer o estado de alegria e gozo espiritual que constitui o Reino dos Céus. Todavia, sobremaneira preocupados em conseguir vantagens puramente materiais (os hebreus aspiravam à hegemonia política do mundo), escusaram-se de novo, sendo que alguns, enervando-se com tal insistência, não só repeliram a mensagem do Cristo, como ainda o ultrajaram e o imolaram na cruz.
Continua a parábola, dizendo: “Diante dis so, o rei enviou exércitos contra os assassinos, que foram exterminados, bem assim queimada a sua cidade.” O que aconteceu aos hebreus, posteriormente à crucificação de Jesus, todos o sabem, corresponde exatamente a esse trecho da narrativa: foram trucidados pelos romanos, e sua capital, Jerusalém, foi quase totalmente destruída.
“Depois, mandou o rei convidar a todos quantos fossem encontrados nas encruzilhadas, bons e maus”, o que significa que o Evangelho seria pregado a todos os povos, pagãos e idó latras, e que estes, acolhendo a Boa Nova, seriam admitidos ao festim em lugar dos pri meiros convidados, que se mostraram indignos dele.
Não basta, porém, ser convidado; quer dizer, não é suficiente dizer-se membro desta ou daquela Igreja, para tomar parte no ban quete celestial. Faz-se necessário, como con dição expressa e indispensável, estar-se reves tido da “túnica nupcial”, isto é, possuir aquela pureza, mansuetude e bondade que caracteri zam os verdadeiros cristãos.
Os hipócritas, os que se comprazem na indecência, os belicosos, os que defraudam e sacrificam seus semelhantes, os que vivem ex clusivamente para si, indiferentes às dores e às aflições do próximo, estes, embora convi dados a participar das bodas, serão encontra dos sem as “vestes” adequadas e, pois, não poderão permanecer entre os demais, sendo lançados fora.
Eis porque disse Jesus: Chamados haverá muitos; poucos, no entanto, serão os esco lhidos.
11
Parábola das dez virgens
“O reino dos céus é comparado a dez vir gens que, tomando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do noivo.
Cinco dentre elas eram néscias, e cinco, prudentes.
As néscias, tomando as suas lâmpadas, não levaram azeite consigo; mas as prudentes levaram azeite em suas vasilhas, juntamente com as lâmpadas.
Tardando a chegar o noivo, toscanejaram todas e adormeceram. À meia-noite ouviu-se um grito: Eis o noivo! Saiam todas ao seu encontro.
Então elas se levantaram a fim de prepa rar as suas lâmpadas.
E disseram as néscias às prudentes: Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas lâmpa das estão-se apagando.
As prudentes, porém, responderam: Tal vez não haja o bastante para nós e para vós. Ide, pois, aos que o vendem, e comprai o que haveis mister.
E enquanto elas foram comprá-lo, veio o noivo; e as que estavam apercebidas entraram com ele para as bodas, e fechou-se a porta.
Depois vieram as outras virgens e disse ram: Senhor, Senhor, abre-nos a porta. Mas ele respondeu: Em verdade vos digo que não vos conheço.
Portanto, vigiai, porque não sabeis nem o dia, nem a hora.” (Mat. 25:1-13)
*
As dez virgens, nesta parábola, simboli zam aquelas criaturas que procuram resguar dar-se das corrupções do mundo.
Mas, há virgens e virgens.
As cinco néscias representam os que se preocupam apenas em fugir ao pecado. Passam a vida impondo-se severa disciplina, evitando tudo aquilo que os possa macular, certos de que isto seja o bastante para assegurar-lhes um lugarzinho no reino de Deus. Esquecem-se, todavia, de que a pureza sem o complemento da bondade é qual uma candeia mal provida, que, no meio da noite, não dá mais luz, dei xando seus portadores mergulhados na mais densa escuridão.
Já as virgens prudentes retratam os que, além dos cuidados que tomam para se mante rem incorruptíveis, tratam também de prover-se do azeite, isto é, das virtudes ativas, que se manifestam em boas obras em favor do próximo. E, com a posse do precioso combus tível, que se converte em luz, garantem a ilu minação de seus passos no caminho que os há-de conduzir à realização espiritual, à união com o Cristo.
A chegada do noivo, como facilmente se deduz, é a era de paz, alegria e felicidade que a Terra desfrutará num futuro próximo, quan do, após sofrer grandes transformações, será devidamente expurgada para tornar-se a mo rada de espíritos de boa vontade, que aqui im plantarão uma nova civilização, verdadeira mente cristã, baseada no Amor e na Fraterni dade Universal.
A recusa das virgens prudentes em darem do seu azeite às virgens néscias, significa claramente que as virtudes são intransferíveis, devendo cada qual cultivá-las com seus re cursos pessoais.
É preciso, portanto, “vigiar”, ou seja, tra balhar com afinco e sem esmorecimento pelo próprio aperfeiçoamento, para que mereçamos participar dessa nova fase evolutiva do orbe terráqueo.
Se descurarmos desse dever, deixando para a última hora as diligências desta ordem, ou imaginando, idiotamente, que outrem, os pro fissionais da religião, possam suprir nossas deficiências espirituais, sem qualquer esforço de nossa parte, sucederá que, no momento crítico, ver-nos-emos desprovidos do “azeite” de que fala a parábola, e, enquanto o formos pro curar com os “mercadores”, o ciclo se fechará, surpreendendo-nos de fora, o que equivale a dizer, relegados a planos inferiores, onde ha verá “choro e ranger de dentes.”
Então, será inútil clamar: “Senhor, Se nhor, abre-nos a porta”, porque o Cristo nos responderá: “Não vos conheço.”
Nem poderia ser de outra forma, porqüanto data de dois mil anos esta advertência evan gélica: “Nem todos os que dizem: Senhor! Senhor! entrarão no reino dos céus; apenas entrará aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”
12
Parábola dos talentos
Havendo subido com seus discípulos ao monte das Oliveiras, dias antes de ser crucifi cado, disse-lhes o Mestre:
“O Senhor age como um homem que, tendo de fazer longa viagem fora do seu país, chamou seus servidores e lhes entregou seus bens. De pois de dar cinco talentos a um, dois a outro e um a outro, segundo a sua capacidade, partiu imediatamente.
Então, o que recebera cinco talentos foi--se, negociou com aquele dinheiro e ganhou outros cinco. O que recebera dois, da mesma sorte, ganhou outros dois; mas o que apenas recebera um, cavou na terra e aí escondeu o dinheiro de seu amo.
Passado longo tempo, o senhor daqueles servos voltou e os chamou a contas.
Veio o que recebera cinco talentos e lhe apresentou outros cinco, dizendo:
— Senhor, entregaste-me cinco talentos; aqui estão, além desses, mais cinco que lucrei.
Respondeu-lhe o amo:
— Bem está, servo bom e fiel, já que foste fiel nas coisas pequenas, dar-te-ei a intendência das grandes. Entra no gozo de teu senhor.
O que recebera dois talentos apresentou-se a seu turno e lhe disse:
— — Senhor, entregaste-me dois talentos; aqui estão, além desses, dois outros que ganhei.
E o amo:
— Servidor bom e fiel, pois que foste fiel em pouca coisa, confiar-te-ei muitas outras. Compartilha da alegria do teu senhor.
Veio em seguida o que recebera apenas um talento e disse:
— Senhor, sei que és homem severo, que ceifas onde não semeaste e colhes de onde nada puseste, por isso, como tive medo de ti, escondi o teu talento na terra; eis, aqui tens o que é teu.
O homem, porém, lhe respondeu:
Servidor mau e preguiçoso, se sabias que ceifo onde não semeei e que colho onde nada pus, devias pôr o meu dinheiro nas mãos dos banqueiros, a fim de que, regressando, eu retirasse com juros o que me pertence.
E prosseguiu:
— Tirem-lhe, pois, o talento que está com ele e dêem-no ao que tem dez talentos, porqüanto, dar-se-á a todos os que já têm e esses ficarão cumulados de bens. Quanto àquele que nada tem, tirar-se-lhe-á mesmo o que pareça ter; e seja esse servidor inútil lançado nas tre vas exteriores, onde haverá prantos e ranger de dentes.” (Mat. 25:14 a 30)
*
Tentemos a interpretação desta parábola.
Está visto que o senhor, aí, é Deus; os servos somos nós, é a Humanidade; os talentos são os bens e recursos que a Providência nos outorga para serem empregados em benefício próprio e no de nossos semelhantes; o tempo concedido para a sua movimentação é a exis tência terrena.
A distribuição de talentos em quantidades desiguais, ao contrári@ capacidade de cada um, adquirida antes da presente encarnação, em outras jornadas evolutivas.
Os que recebem cinco talentos são espíri tos já mais experimentados, mais vividos, que aqui reencarnam para missões de repercussão social; os que recebem dois, são destinados a tarefas mais restritas, de âmbito familiar; e os que recebem um, não têm outra respon sabilidade senão a de promoverem o progresso espiritual de si mesmos, mediante a aquisição de virtudes que lhes faltam.
Nota-se, aqui, a aplicação daquele outro ensino do Mestre: “Muito será pedido a quem muito foi dado.” Ao que recebeu cinco talentos foram reclamados outros cinco; ao que recebeu dois, outros dois; e ao que recebeu um, a exi gência foi de apenas um.
Os servos que fizeram que os talentos se multiplicassem representam os homens que sabem cumprir a vontade de Deus, empregando bem a fortuna, a cultura, o poder, a saúde ou os dons com que foram aquinhoados.
O servo que deixou improdutivo o talento, falhando na incumbência que lhe fora cometida, simboliza os homens que perdem as oportuni dades ensejadas pela Providência para o seu adiantamento espiritual, oportunidades essas que lhes chegam através de uma enfermidade a ser sofrida com paciência, de um grande dis sabor a ser recebido sem desespero, de um filho estróina ou rebelde a ser tratado com especial atenção e carinho, de uma injustiça a ser tolerada sem revolta, de um inimigo gra tuito a ser conquistado com amor, de uma des lealdade ou traição a ser suportada com lar gueza de ânimo, de uma condição adversa a ser superada com esforço e perseverança, etc.
Nesse terceiro servo vemos posto em re levo o mau vezo de certos homens, que, para encobrirem suas faltas ou justificarem suas fraquezas, não hesitam em atribuir deméritos puramente imaginários aos outros.
“Dar-se-á aos que já têm e esses ficarão acumulados de bens”, significa que todo aquele que diligencia por corresponder à confiança do Senhor, receberá auxílio e proteção para que possa aumentar as virtudes que já possui.
“Ao que não tem, tirar-se-lhe-á até o que parece ter, e seja esse servidor inútil lançado nas trevas exteriores, onde haverá choro e ran ger de dentes”, quer dizer que, aquele que não se esforçar para acrescentar alguma coisa àquilo que recebe da misericórdia divina, ex piará, em futuras reencarnações de sofrimen tos, a incúria, a preguiça, a má vontade de que deu provas, quando se verá privado até do pouco que teve, por empréstimo.
Agora, uma advertência:
Não sabemos quando o Senhor virá cha mar-nos a contas.
Poderá tardar ainda, como poderá ser hoje ou amanhã.
Estamos preparados para isso? Temos fei to bom uso dos “talentos” que Ele nos confiou? De que maneira estamos empregando nosso tempo, nossa inteligência, nossas possibilidades de servir?
Faça cada qual um exame de consciência e responda, depois, a si mesmo...
13
Parábola da candeia
“Ninguém, depois de acender uma candeia, a cobre com um vaso ou a põe debaixo de uma cama; pelo contrário, coloca-a sobre um vela dor, a fim de que os que entrem, vejam a luz. Porque nada há secreto que não haja de ser descoberto, nem nada oculto que não haja de ser conhecido e de aparecer publicamente. Vêde, pois, como ouvis. A medida que usais, dessa usarão convosco, e ainda se vos acrescentará. Pois ao que tem, ser-lhe-á dado; e ao que não tem, até aquilo que tem ser-lhe-á tirado.” (Mar. 4:21-25; Luc., 8:16-18)
Estas palavras de Jesus: “não se deve pôr a candeia debaixo da cama, mas sobre o vela dor, a fim de que todos os que entrem, vejam a luz”, dão-nos a entender, claramente, que as leis divinas devem ser expostas por aqueles que já tiveram a felicidade de conhecê-las, pois sem esse conhecimento paralisar-se-ia a marcha da evolução humana.
Não espalhar os preceitos cristãos, a fim de dissipar as trevas da ignorância que envol vem as almas, fora esconder egoisticamente a luz espiritual que deve beneficiar a todos.
Manda a prudência, entretanto, que se gradue a transmissão de todo e qualquer ensi namento à capacidade de assimilação daquele a quem se quer instruir, de vez que uma luz intensa demais o deslumbraria, ao invés de o esclarecer.
Cada idéia nova, cada progresso, tem que vir na época conveniente. Seria uma insen satez pregar elevados códigos morais a quem ainda se encontrasse em estado de selvageria, tanto quanto querer ministrar regras de ál gebra a quem mal dominasse a tabuada.
Essa a razão por que Jesus, tão freqüen temente, velava seus ensinos, servindo-se de figuras alegóricas, quando falava aos seus con temporâneos. Eram criaturas demasiado atra sadas para que pudessem compreender certas coisas. Já aos discípulos, em particular, expli cava o sentido de muitas dessas alegorias, por que sabia estarem eles preparados para isso.
Mas, como frisa a parábola em tela, “nada há secreto que não haja de ser descoberto, nem nada oculto que não haja de ser conhecido e de aparecer publicamente”. À medida que os ho mens vão adquirindo maior grau de desenvol vimento, procuram por si mesmos os conheci mentos que lhes faltam, no que são, aliás, auxi liados pela Providência, que se encarrega de guiá-los em suas pesquisas e lucubrações, pro jetando luz sobre os pontos obscuros e desconhecidos, para cuja inteligência se mostrem amadurecidos.
Os que, por se acharem mais adiantados, intelectual e moralmente, forem sendo inicia dos no conhecimento das verdades superiores, e se valham delas, não para a dominação do próximo em proveito próprio, mas para edifi car seus irmãos e conduzi-los na senda do aper feiçoamento, maiores revelações irão tendo, ho rizontes cada vez mais amplos se lhes descor tinarão à vista, pois é da lei que, “aos que já têm, ainda mais se dará.”
Quanto aos que, estando de posse de umas tantas verdades, movidos por interesses rasteiros fazem disso um mistério cujo exame proíbem, o que importa “colocar a luz debaixo da cama”, nada mais se lhes acrescentará, e “até o pouco que têm lhes será tirado”, para que deixem de ser egoístas e aprendam a dar de graça o que de graça hajam recebido.
A vida nos planos espirituais, questão que interessa profundamente os sistemas filosófi cos e religiosos, por muitos e muitos séculos permaneceu como um enigma indevassável; chegou, porém, o momento oportuno em que deveria “aparecer publicamente”, e daí o ad vento do Espiritismo.
Rasgaram-se, então, os véus que encobriam esse imenso universo, tão ativo e real quanto o em que respiramos, e, à luz dessa nova reve lação, a sobrevivência da alma deixa de ser apenas uma hipótese ou uma esperança, para firmar-se como confortadora e esplêndida rea lidade.
14
Parábola do bom samaritano
Certa vez, estando Jesus a ensinar, “eis que se levantou um doutor da lei e lhe disse, para o experimentar:
— Mestre, que hei-de fazer para alcançar a vida eterna?
Respondeu-Lhe Jesus:
— Que está escrito na lei? Como é que lês?
Tornou aquele:
— “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, com todas as tuas forças e de toda a tua mente; e a teu próximo como a ti mesmo.”
— Respondeste bem, disse-Lhe Jesus. Fase isto, e viverás.
Mas ele, querendo justificar-se, perguntou ainda:
— E quem é o meu próximo?
Ao que Jesus tomou a palavra e disse:
Um homem descia de Jerusalém a Jericó e caiu nas mãos dos ladrões que logo o despojaram do que levava; e depois de o terem maltratado com muitas feridas, retiraram-se, deixando-o meio morto. Casualmente, descia um sacerdote pelo mesmo caminho; viu-o e passou para o outro lado. Igualmente, chegou ao lugar um levita; viu-o e também passou de largo. Mas, um samaritano, que ia seu caminho, chegou perto dele e, quando o viu, se moveu à com paixão. Aproximou-se, deitou-lhe óleo e vinho nas chagas e ligou-as; em seguida, fê-lo mon tar em sua cavalgadura, conduziu-o a uma hospedaria e teve cuidado dele. No dia se guinte, tirou dois denários e deu-os ao hos pedeiro, dizendo: Toma cuidado dele, e o que gastares a mais pagar-to-ei na volta. Qual desses três se houve como próximo daquele que caíra nas mãos dos ladrões?
Respondeu logo o doutor:
— Aquele que usou com o tal de miseri córdia.
Então lhe disse Jesus:
— Pois vai, e fase tu o mesmo.” (Lucas, 10º, 25-37)
*
Qual o ensinamento que o Mestre aí nos dá?
O de que para entrarmos na, posse da vida eterna não basta memorizarmos textos da Sa grada Escritura, O que é preciso, o que é essencial, para a consecução desse objetivo, é pormos em prática, é vivermos a lei de amor e de fraternidade que ele nos veio revelar e exemplificar.
Haja vista que o seu interpelante, no epi sódio em tela, é um doutor em teologia, que provou ser versado em religião, visto que re petiu de cór, sem pestanejar, palavra por pala vra, o conteúdo dos dois principais mandamen tos divinos.
Mas... conquanto fôsse um mestre reli gioso e, nessa condição, conhecesse muito bem a lei e os profetas, não estava tranquilo com a própria consciência; sentia, lá no íntimo da alma, que algo ainda lhe faltava. Daí a sua pergunta: “Mestre, que hei-de fazer para al cançar a vida eterna?”
Não o martirizasse uma dúvida atroz so bre se seriam suficientes os seus conhecimen tos teológicos e os privilégios de sua crença para ganhar o reino do céu, e não se teria ele dirigido ao Mestre da forma como o fez.
Notemos agora que — e isso é de suma importância —, em sua resposta, Jesus não disse, absolutamente, que havia uma “predes tinação eterna”, isto é, “uma providência es pecial, que assegura aos eleitos graças eficazes para lhes fazer alcançar, infalivelmente, a gló ria eterna” também não falou que havia uma “salvação pela graça, mediante a fé nem tão-pouco indicou como processo salvacionista a filiação a esta ou àquela igreja; assim como não cogitou de saber qual a idéia que o outro fazia dele, se o considerava Deus ou não.
Ante a citação feita pelo doutor da lei, daqueles dois mandamentos áureos que sin tetizam todos os deveres religiosos, disse-lhe apenas: “Faze isso, e viverás”, o que equivale a dizer: aplica todas as tuas forças morais, intelectuais e afetivas na produção do BEM, em favor de ti mesmo e do próximo, e ga nharás a vida eterna!
O tal, porém, nem sequer sabia quem era o seu próximo! Como, pois, poderia amá-lo como a si mesmo, a fim de se tornar digno do Reino?
Jesus, então, extraordinário pedagogo que era, serenamente, sem impacientar-se, conta-lhe a parábola do “bom samaritano”, através da qual elucida o assunto, fazendo-o compreen der que ser próximo de alguém é assisti-lo em suas aflições, é socorrê-lo em suas necessida des, sem indagar de sua crença ou nacionali dade. E após arguí-lo, vendo que ele entendera a lição, conclui, apontando-lhe o caminho do céu em meia dúzia de palavras:
— “Pois vai, e faze o mesmo!”
Se a salvação dos homens dependesse real mente de “opiniões teológicas” ou de “sacramentos” desta ou daquela espécie, como querem fazer crer os atuais doutores da lei, não seria essa a ocasião azada, oportuna, propícia, para que Jesus o afirmasse peremptoriamente?
Mas não! Sua doutrinação é completamente diferente disso tudo: Torna um homem desprezível aos olhos dos judeus ortodoxos, tido e havido por eles como herege — um samaritano— é, incrível! aponta-o como “modelo”, como “padrão”, aos que desejem penetrar nos tabernáculos eternos!
É que aquele renegado sabia praticar boas obras, sabia amar os seus semelhantes, e, para Jesus, o que importa, o que vale, o que pesa, não são os “credos” nem os “formalismos li túrgicos”, mas os “bons sentimentos”, porque são eles que modelam idéias e dinamizam ações, caracterizando os verdadeiros súditos do Reino Celestial.
15
Parábola do amigo importuno
“Qualquer de vós que tenha um amigo e vá procurá-lo à meia noite e lhe diga: empres ta-me três pães, porque um amigo meu acaba de chegar a minha casa de uma viagem e nada tenho para lhe oferecer; se do interior o outro lhe responder: não me incomodes, a porta já está fechada, eu e meus filhos estamos deita dos, não posso levantar-me para tos dar; se perseverar em bater, embora ele não se levante para lhes dar por ser seu amigo, ao menos por causa da importunação se levantará e lhe dará quantos pães precisar.
Portanto eu vos digo: Pedi, e dar-se-vos-á buscai e achareis; batei e abrir-se-vos-á. Pois todo o que pede, recebe; o que busca, acha; e ao que bate, abrir-se-lhe-á.
Qual de vós é o pai, que, se o filho pedir um peixe, lhe dará em vez de peixe uma ser pente? Ou se pedir um ovo, lhe dará um es corpião?
Ora, se vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas a vossos filhos, quanto mais o vosso Pai celestial dará um bom espírito aos que lho pedirem?” (Lucas, 11:5-13)
Confortadora parábola! O caráter amoroso e paternal de Deus é aí retratado por Jesus, de forma eloqüente, num contraste gri tante com as concepções de até então, em que a divindade mais se parecia a um déspota cruel, irritadiço, sempre disposto a castigar e a destruir.
Principia fazendo-nos compreender que, aqui mesmo na Terra, se recorrermos a um amigo quando tenhamos necessidade de um favor, haveremos de o conseguir. Pode esse amigo não nos valer imediatamente, de boa vontade, pode até relutar em atender à nossa solicitação, mas, se instarmos com ele, ainda que seja para ver-se livre de nossa importuna ção, acabará cedendo. Pois se desconhecidos, ou mesmo adversários, quando pedem com tato e insistência, muitas e muitas vezes são aten didos, como não o seriam aqueles que gozam da simpatia e amizade do solicitado?
Se em vez de apelarmos para um amigo, o fizermos para o nosso pai, maior ainda será a certeza do atendimento. Sim, ainda que seja um filho mau e ingrato, cometa erros sobre erros, envergonhe a família com seus desvarios, ou abandone a casa para entregar-se mais li vremente às suas perversões, nem por isso o pai deixará de correr ao seu encontro, tão logo o saiba arrependido e em sofrimento, para lhe dar tudo o de que necessite, antes mesmo que ele lhe exponha sua miséria.
Ora, segundo o ensino claro e insofismável da parábola, Deus é infinitamente mais solí cito para com Suas criaturas do que o melhor dos amigos e o mais afeiçoado dos progeni tores; assim, pois, qualquer que seja o grau de nossa imperfeição, de nossa indigência mo ral, se Lhe dirigirmos o nosso apelo, em prece sincera e quente, quando precisados de Seu auxílio, podemos estar certíssimos de que o socorro da Providência não nos faltará.
Não se suponha, entretanto, que basta pedir seja o que for, para que Deus aceda prontamente. Não. Ele sabe, melhor do que nós, aquilo que nos convém, o que é neces sário ao nosso progresso espiritual, e é em função desse interesse mais alto que atende ou deixa de atender às nossas súplicas.
Tal qual um pai sensato que recusa ao filho o que possa prejudicá-lo, ou um cirurgião que deixa o doente sofrer as dores de uma operação que lhe trará a cura, assim Deus nos deixará sofrer, sempre que o sofrimento seja de proveito para a nossa felicidade fu tura. O que Ele nunca deixa de conceder, quando lhe pedimos, é a coragem, a paciência e a resignação para bem suportarmos os tran ses mais difíceis da existência, o que já não é pouco, pois nossas dores, então, doerão me nos; é o amparo e a proteção dos nossos anjos de guarda a fim de sustentar-nos as boas re soluções e preservar-nos de novas quedas, se de fato estivermos desejosos de volver ao ca minho reto.
Essa parábola encerra, ainda, um solene desmentido aos que doutrinam que somente os demônios, ou espíritos imundos, é que podem manifestar-se aos homens, no Espiritismo ou fora dele, com poderes de simular o bem para melhor seduzi-los, pervertê-los e levá-los à per dição.
Em contraposição aos que afirmam tal he resia, admitindo que Deus só permita inter venções demoníacas, vedando ao mesmo tempo toda e qualquer manifestação de entidades bondosas, numa clamorosa parcialidade em pro veito do mal, aí estão as palavras do Mestre, a esclarecer-nos que se um pai é incapaz de dar uma serpente ao filho que lhe peça um peixe, Deus, nosso Pai celestial, não poderia trair nossa fé e confiança n’Ele, dando-nos um espírito maligno quando lhe pedimos a assistência de um espírito bom.
16
Parábola do avarento
“As terras de um homem rico produziram abundantemente.
Ele, então, discorria consigo: Que hei-de fazer, pois não tenho onde recolher os meus frutos?
Finalmente disse: farei isto: derru barei os meus celeiros, construirei outros maio res, e neles guardarei toda a colheita e os meus bens. E direi à minha alma: tens muitos bens em depósito para largos anos; descansa, come, bebe e regala-te.
Deus, porém, disse a esse homem: Insen sato, esta noite mesmo virão demandar tua alma; e as coisas que ajuntaste, para quem serão?
Assim acontece àquele que entesoura para si, e não é rico em Deus.” (Lucas, 12:16-21)
*
É determinação divina que o homem deva conquistar o pão com o suor do próprio rosto. Isso equivale a dizer que, para atender às ne cessidades da vida física, ele é obrigado a tra balhar, pois a natureza não lhe oferece, de mão beijada, quanto baste para saciar-lhe a fome e a sede, nem tão-pouco os recursos com que proteger-se contra as intempéries.
Através dessa luta pela existência, que éuma bênção (e não maldição, como alguns erroneamente supõem), o homem vai-se desen volvendo em todos os sentidos: ganha ciência, aptidão e sensibilidade, resultando daí sua evo lução e o progresso do meio em que exerce suas atividades.
Infelizmente, porém, muitos se preocupam em demasia com esse problema, em detrimento das questões de ordem espiritual, deixando-se levar pela ambição, pelo desejo insaciável de acumular bens de fortuna, o que não raro se transforma em verdadeira obsessão.
A avareza, a sórdida e feroz avareza, passa a comandar-lhes as ações, sufocando todo e qualquer sentimento nobre e altruísta que se contraponha à idéia fixa de aumentar, aumen tar continuamente, esses tesouros...
Esquecem-se de que, quando menos o es perarem, serão arrebatados pela morte, tendo que deixar aqui toda a fortuna que labutaram por acumular durante a vida, para que outros a desfrutem ou esbanjem a seu bel-prazer.
Se se compenetrassem dessa verdade, cer tamente não poriam tanto empenho em ajuntar riquezas para uma vida efêmera, cuja duração não vai além de uns poucos anos. Buscariam, antes, tornar-se ricos em Deus, pela prática constante da caridade, do amor ao próximo, e pelo esforço diuturno no sentido de libertar-se daquilo que mais os amesquinha e mais for temente os agrilhoa à prisão terrestre: a cupi dez, a usura, o apego às coisas materiais.
“Ajuntai para vós tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem os consomem, e onde os ladrões não penetram nem roubam”, dissera o Mestre de outra feita.
Esse tesouro são as virtudes cristãs, são as boas qualidades do coração, que devemos cultivar, se quisermos de fato assegurar-nos a vida eterna nos páramos celestiais.
As obras de benemerência e os esforços que se façam para formar um caráter reto e puro constituem a grande colheita da vida.
Todo ato nosso em benefício de outrem, assim como todo cuidado em vencer nossas imperfeições, suscita um impulso para cima, equi valente a um depósito de tesouro no céu.
Busquemos, pois, no Evangelho de Nosso Senhor Jesus-Cristo, a inspiração sobre como gerir os “talentos” que nos tenham sido conce didos temporàriamente, lembrando-nos sempre do avarento da parábola, cuja alma, na mesma noite em que fazia planos para o “futuro”, foi chamada pelo Senhor...
17
Parábola do servo vigilante
Lê-se em Lucas, 12:35 a 48:
“Estejam cingidos os vossos lombos e tende nas mãos tochas acesas; sede semelhan tes aos servos que esperam a seu Senhor, ao voltar das bodas, para que, quando vier e bater à porta, logo lha abram.
Bem-aventurados aqueles servos a quem o Senhor achar vigiando quando vier; na ver dade vos digo que ele se cingirá, e os fará sentar à mesa, e, passando por entre eles, os servirá. E se vier na segunda vigília, e se vier na terceira vigília, e assim os achar, bem-aventurados são os tais servos.
Mas, sabei isto: se o pai de família sou besse a hora em que viria o ladrão, vigiaria, sem dúvida, e não deixaria minar a sua casa. Vós outros, pois, estai apercebidos, porque à hora que não cuidais, virá o Filho do homem.
Disse-lhe então Pedro: Senhor, tu propões esta parábola só a nós outros, ou também a todos?
E Jesus lhe disse: Quem crês que é o despenseiro fiel e prudente que o Senhor pôs sobre a família, para dar a cada um a seu tempo a ração de trigo? Bem-aventurado aque le servo que, quando o Senhor vier, o achar assim obrando. Verdadeiramente vos digo, que ele o constituirá administrador de tudo quanto possui. Porém, se disser o tal servo no seu coração: Meu Senhor tarda em vir, e começar a espancar os servos e as criadas, e a comer, e a beber, e a embriagar-se, virá o Senhor da quele servo no dia em que ele o não espera, e na hora em que ele não cuida, e o removerá, pondo-o à parte com os infiéis. Porque àquele servo que soube a vontade de seu Senhor, e não se apercebeu, e não obrou conforme a sua vontade, dar-se-lhe-ão muitos açoites; mas aquele que não o soube, e fez coisas dignas de castigo, levará poucos açoites. A todo aquele a quem muito foi dado, muito lhe será pedido; e ao que muito confiaram, mais conta lhe tomarão.”
Este trecho do Sermão Profético, profe rido pelo Mestre quase ao final de sua missão entre os terrícolas, é uma exortação ao tra balho e à vigilância.
Recomenda ele nos mantenhamos firmes na execução das tarefas que nos cabe realizar, em benefício de nosso progresso espiritual e no de nossos semelhantes, pois, cristãos que pretendemos ser, estamos neste mundo na si tuação de despenseiros, cumprindo-nos assistir a família do Senhor — a Humanidade, con forme sejam as necessidades de cada um.
Se assim fizermos, se estivermos sempre prontos, com a cinta cingida e a candeia acesa, em condições de servir e de iluminar de que de nós se acercam, a fim de lhes ensinar o cami nho que conduz a Deus, estaremos sendo bons servos, conquistaremos com isso a confiança do Senhor, e Ele nos tomará como Seus pre postos, constituindo-nos administradores de Seu patrimônio, o que equivale a dizer, obrei ros da Providência Divina.
Sabemos, através do Evangelho, qual é “a vontade do Senhor”, como Ele quer que ajamos. Aí estão, por toda a parte, os famintos, os maltrapilhos, os desajustados, precisando de nosso amparo, auxilio e proteção; os ignoran tes e transviados, reclamando nosso esclareci mento, orientação e estímulo para o bem; os sofredores de todos os matizes, carecidos de nossos exemplos de fé, de esperança, de pa ciência e de resignação, a fim de suportarem melhor as vicissitudes terrenas.
Cumpre-nos dar boa conta dos compro missos que assumimos perante o Cristo; cuidando com dedicação e zelo daqueles que ele nos haja confiado.
Quão felizes haveremos de ser, no outro lado da Vida, se a “morte” nos surpreender assim obrando!
Mas, se desprezarmos a advertência do Mestre; se, levianamente, acreditarmos que “o Senhor tarda em vir”, e nos entregarmos às paixões, aos vícios, aos gozos mundanos, e, de candeia apagada, mergulharmo-nos comodamente no sono do esquecimento, deixando de fazer aquilo que nossa consciência nos aponta como deveres impostergáveis, tão inesperada mente quanto o ladrão nos assalta a residência, receberemos a visita da “ceifeira”, e então...
Transferidos para as trevas exteriores, onde há choro e ranger de dentes, iremos so frer as conseqüências de nossa incúria e de sídia, sofrimento esse que será proporcional ao maior ou menor grau de compreensão evangé lica que tivermos, pois “a quem muito foi dado, muito será pedido, e maiores contas serão to madas a quem muito foi confiado.”
Amigos e irmãos, não sabemos a que ho ras o Senhor nos baterá à porta, se na segunda, se na terceira vigília, o que significa: se na mocidade, ou na velhice.
Portanto, estejamos apercebidos!
18
Parábola da figueira estéril
“Um homem tinha uma figueira plantada na sua vinha, e foi buscar fruto nela, mas não o achou.
Disse então ao que cultivava a vinha:
— Olha, faz já três anos que venho buscar fruto a esta figueira e não o acho; corta-a, pois, pelo pé para que está ela ainda ocupando a terra?
Mas o outro, respondendo, lhe disse:
— Senhor, deixa-a ainda este ano, enquan to eu a escavo em roda, e lhe lanço esterco; se com isto der fruto, bem está, e se não, virás a cortá-la depois.” (Lucas, 13:6-9)
Esta parábola encerra mais uma das ex traordinárias alegorias com que o Mestre retra ta a situação moral da Humanidade terrena e, ao mesmo tempo, adverte-a sobre a sorte que a aguarda, caso não tome melhores rumos.
Há muitos e muitos séculos o Senhor da fazenda, que é Deus, vem esperando pacientemente que esta nossa infeliz Humanidade, sim bolizada pela figueira, produza bons frutos, ou seja, alcance a maturidade espiritual, implantando na Terra o reinado do Amor, da Justiça e da lídima Fraternidade.
Jesus, representado na parábola pelo ab negado e diligente vinhateiro, tem-na agraciado com sucessivas revelações, cada qual mais per feita, visando a despertar-lhe a consciência, fazê-la compreender os seus deveres para com Deus, para consigo mesma e para com o pró ximo; lamentavelmente, porém, ela não os tem levado a sério, continua presa às suas ilusões e fantasias, persiste em viver apenas para si, para a satisfação de seus gozos turvos, nada realizando no campo do Altruísmo.
Como derradeira ajuda no sentido de sal vá-la da esterilidade a que se abandonou, Jesus houve por bem enviar-lhe o Espiritismo, para mostrar ao vivo, com o testemunho das pró prias almas trespassadas, a felicidade reser vada aos bons, aos que procuram ser úteis, aos que obram com misericórdia, aos justos, aos humildes, aos pacíficos e pacificadores, aos limpos de coração, aos que se consagram ao bem-estar da coletividade, e, por outro lado, os sofrimentos por que passam os infrutuosos, os vingativos, os avarentos, os depravados, os or gulhosos, os opressores, os déspotas, os fazedores de guerras, os que se dão, por interesses vis, a toda a sorte de especulações, levando as massas populares à aflição e ao desespero.
Se com isto os homens se regenerarem e aprenderem a viver em paz, vinculados pelo amor, dando cada um a contribuição de seu melhor esforço para uma nova civilização, em que desapareçam as conquistas, as sujeições de um povo a outro povo, os privilégios, os des níveis sociais, etc., bem está caso contrário, todos quantos se mostrem recalcitrantes, insen síveis ou indiferentes a esse despertamento espiritual, serão transferidos para outros pla nos inferiores, a fim de que não continuem ocupando lugar neste planeta, do qual se terão tornado indignos, eis que, no correr do ter ceiro milênio, a Terra se irá transformando em um mundo regenerador, com melhores con dições físicas e morais, propiciando a seus fu turos habitantes uma existência incomparavelmente mais tranqüila e mais feliz.
Precatem-se, portanto, os homens e as instituições humanas!
Os tempos são chegados, e o Senhor virá, em breve, buscar os frutos esperados.
Desta vez, se não os achar, o machado en trará em ação, pondo abaixo toda galharia infrutífera.
19
Parábola dos primeiros lugares
Tendo Jesus entrado em casa de um dos principais fariseus a fim de ali tomar sua re feição, ao notar como os convidados escolhiam os primeiros assentos à mesa, propôs-lhes uma parábola, dizendo:
“Quando fores por alguém convidado para um casamento, não te sentes no primeiro lugar, para não suceder que seja por ele convidada uma pessoa mais considerada do que tu e, vin do o que convidara a ti e a ele, te diga: dá o lugar a este; e então vás, envergonhado, ocupar o último lugar.
Em vez disso, quando fores convidado, vai tomar o último lugar, para que, quando vier o que te convidou, te diga: amigo, senta-te mais para cima; então isto será para ti uma honra diante de todos os demais convivas. Pois todo o que se exalta, será humilhado; e todo o que se humilha, será exaltado.” (Lu cas, 14:7-11).
Com tal parábola, Jesus aconselha que cultivemos a humildade e o desprendimento, virtudes que, reiteradas vezes, apresentou como características essenciais do verdadeiro cristão.
Adquiri-las, entretanto, não é nada fácil, pois requer o sacrifício de nosso personalismo, e os terrícolas, salvo raras exceções, estamos vivendo ainda uma fase da evolução em que predomina o “egoísmo”, ou seja, o amor exa gerado a nós próprios, cada qual procurando garantir sua felicidade,sem preocupar-se com os outros, havendo alguns, mais atrasados, que pensam obtê-la conduzindo-se abertamente contra os outros.
A felicidade real e duradoura, todavia, só será conhecida pelos homens à medida que se libertem de seus pensamentos e desejos egoís tas; quando vivam, não apenas para si mesmos, mas para o bem de todos, transformando-se em instrumentos conscientes das forças supe riores que trabalham pela redenção da Hu manidade.
“Sabeis — dissera o Mestre de outra feita — que os príncipes das gentes dominam os seus vassalos e que os maiores exercitam o seu po der sobre eles. Não será assim entre vós ou tros; pelo contrário, o que quiser ser o maior entre vós, esse seja o que vos sirva, e o que quiser ser o primeiro, esse seja o vosso servo, assim como o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos.” (Mat. 20:25-28)
Espiritualmente falando, não há, pois, para os discípulos do Cristo, outro privilégio senão o de servir, e servir por amor, com dedicação e altruísmo, pois o que se faça por interesse pessoal ou por vanglória não produz nenhum resultado superior.
Servir, no sentido cristão, é esquecer de si mesmo e devotar-se amorosamente ao auxílio do próximo, sem objetivar qualquer recompen sa, nem mesmo o simples reconhecimento da queles a quem se haja beneficiado.
O Espiritismo nos mostra, através das vi das sucessivas, outra aplicação dessa parábola. Os que, em uma encarnação, ocupem as mais altas posições na sociedade, mas se deixam do minar pela ambição, pelo orgulho e pela vai dade, colocando-se arrogantemente acima dos outros, poderão descer, na encarnação seguinte, às mais ínfimas condições. Por outro lado, os que suportem com paciência e resignação o infortúnio de uma existência de pobreza e de humilhações, receberão, a seu tempo, a devida recompensa.
Não disputemos, pois, os lugares de des taque, nem aspiremos a ser dos primeiros entre os que rendem culto às fatuidades mundanas, nem nos afadiguemos na conquista da fortuna, para forçar o acatamento e as honras do con glomerado social a que pertencemos. Seja a nossa luta no sentido de eliminar as diferenças abismais que separam, uns dos outros, os fi lhos de Deus; seja o nosso ideal formar ao lado daqueles que dão o melhor de suas ener gias e capacidades para melhorar os homens e aperfeiçoar-lhes as instituições; e seja o nosso maior empenho aproveitarmos as muitas opor tunidades que se nos apresentam, diariamente, de sermos úteis e prestativos aos nossos semelhantes.
Sobretudo, guardemo-nos de fazer alarde de nossos méritos pessoais, consideremo-nos sempre servos inúteis, atribuindo a Deus as boas coisas que possamos realizar, porqüanto, “todo o que se exalta, será humilhado, e todo o que se humilha, será exaltado.”
20
Parábola acerca da previdência
“Qual de vós, querendo edificar uma torre, não se põe primeiro a fazer conta dos gastos que são necessários, para ver se tem com que acabá-la? Com isso evita expor-se a que, de pois de haver assentado os alicerces e não a podendo terminar, todos os que a virem come cem a fazer zombaria dele, dizendo: Este ho mem principiou o edifício, mas não o pôde concluir.
Ou que rei há que, estando para sair em campanha contra outro rei, não tome primeiro muito pensadamente as suas medidas, a ver se com dez mil homens poderia ir a, encontrar-se com o que traz contra ele vinte mil?
De outra maneira, ainda quando o outro está longe, enviando sua embaixada, pede-lhe tratados de paz.
Assim, pois, qualquer de vós que não re nuncie a tudo quanto possua, não pode ser meu discípulo.
O sal é bom, porém, se o sal perder a for ça, com que outra coisa se há-de temperar? Ficará sem servir, nem para a terra, nem para o monturo, mas lançar-se-á fora.
O que tiver ouvidos de ouvir, ouça.” (Lu cas, 14:28-35)
Esta parábola encerra uma advertência muito séria a todos quantos pretendam iniciar-se no discipulado de Jesus.
A finalidade de sua estada entre nós, e pela qual continua ainda a trabalhar, é a re denção humana, é o estabelecimento do “reino de Deus” em cada coração.
Malgrado, porém, a sublimidade de seu mi nistério, sua vida terrena foi uma sucessão de acerbos sofrimentos físicos e morais. Suportou contínuas perseguições daqueles cujos interesses mesquinhos sua doutrina contrariava; re cebeu insultos, açoites e flagelações; padeceu a humilhação de carregar a própria cruz em que seria pregado entre malfeitores; e, mais que isso, sofreu a incredulidade de seus paren tes, que não confiavam nele; a pusilanimidade de seus seguidores, que fugiram, espavoridos, quando a oposição se fez mais furiosa; a traição de Judas; a negação de Pedro e a re jeição daquele mesmo povo que, uma semana antes, o aclamara festivamente, querendo fazê -lo seu rei!
Quem se disponha, em nossos dias, a coadjuvá-lo nesse trabalho e colocar-se a ser viço do ideal cristão, tem que arrostar, a seu turno, provas igualmente muito difíceis: a ri sota escarninha dos indiferentes, a incompreensão da família, os ataques dos que se arvo ram em senhores da Religião, e, acima disso tudo, o fascínio das posses materiais e as mil e uma formas de convite para deixar o caminho árduo e estreito da honradez, da virtude, da mo ralidade enfim, para tomar a estrada larga e de leitosa da corrupção e dos prazeres mundanos.
Destarte, os principais requisitos a serem adquiridos por aqueles que aspiram a esse apostolado são a caridade no sentido mais amplo e a disposição de servir à Humanidade, tal qual ela é, com suas misérias e torpezas, sem se dei xar envolver pelas seduções do mundo.
Achamo-nos muito longe, porém, de tal qualificação; portanto, não nos imponhamos sacrifícios superiores às nossas forças, nem assumamos compromissos que não possamos cumprir. Procuremos, antes, realizar apenas as tarefas que possamos levar a cabo com êxito. Se, superestimando nossas possibilida des, metermos ombros a missões elevadas, e falharmos, desmoralizamo-nos e desservimos o Mestre, pois nosso fracasso fará que aumente a desconfiança e o pessimismo no mundo.
“Renunciar a tudo quanto se possua”, con dição sem a qual não se pode ser verdadeiro discípulo de Jesus, não significa, certamente, pôr fora os nossos bens, porqüanto, se assim o fizéssemos, teríamos que recorrer à ajuda de outrem; o que isso quer dizer é que não devemos ter por eles um apego tal que nos impeça de dar-lhes a justa aplicação para que nos foram confiados.
Os que se devotam à evangelização dos povos procuram praticar o bem e se empenham em proporcionar alívio a todos os que sofrem são “o sal da terra” (Mat. 5:13); todavia, se se deixarem contaminar pelo meio ambiente, e passarem a cuidar apenas de si mesmos e de seus interesses pessoais, assemelhar-se-ão ao sal que perde a força, tornando-se insípido, e para nada mais se aproveita.
Impossível servir a dois senhores...
21
A ovelha, a dracma e o filho pródigo
1
Relata Lucas que, certa vez, entrando Jesus na casa de um dos principais fariseus para tomar refeição, achegaram-se a ele mui tos publicanos e pecadores para ouvi-lo.
Em sua muita indulgência, o Mestre a nin guém repelia, o que deu ensejo a que alguns circunstantes, escandalizados, se pusessem a murmurar, dizendo: Olhem só, como este ho mem acolhe os pecadores, e até come com eles.
Respondendo a essa crítica, Jesus pronun ciou três parábolas em que salienta a solicitude de Deus para salvar os que se perdem.
Ei-las, tal como foram registradas por aquele evangelista:
“Qual de vós outros é o homem que tem cem ovelhas e, se perde uma delas, não deixa as noventa e nove, e vai buscar a que se havia per dido, até que a ache? E que, depois de a achar, não a põe sobre seus ombros, cheio de gosto, e, vindo a casa, chama os seus amigos e vizi nhos, dizendo-lhes: Congratulai-vos comigo, porque achei a minha ovelha, que se havia perdido? Digo-vos que assim haverá maior júbilo no céu sobre um pecador que fizer penitência, que sobre noventa e nove justos que não hão mister de penitência.
Ou que mulher há que, tendo dez dracmas, e, perdendo uma, não acenda a candeia e não varra a casa, e não a busque com muito empe nho, até que a ache? E que, depois de a achar, não convoque as suas amigas e vizinhas, para lhes dizer: Congratulai-vos comigo, porque achei a dracma que tinha perdido? Assim vos digo eu que haverá júbilo entre os anjos de Deus por um pecador que faz penitência.
Disse-lhes mais: Um homem teve dois fi lhos, e disse o mais moço deles a seu pai: Pai, dá-me a parte da fazenda que me toca. E ele repartiu entre ambos a fazenda.
Passados não muitos dias, entrouxando tudo o que era seu, partiu o filho mais moço para uma terra muito distante, país estranho, e lá dissipou toda a sua fazenda, vivendo dis solutamente.
Depois de ter consumido tudo, sucedeu haver naquele país uma grande fome, e ele começou a sentir necessidades. Retirou-se, pois, dali e acomodou-se com um dos cidadãos da tal terra. Este, porém, o mandou para os seus campos, a guardar os porcos. Aí, dese java ele encher a sua barriga de landes, das que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. Até que, tendo entrado em si, disse:
Quantos jornaleiros há, em casa de meu pai, que têm pão em abundância, e eu aqui pereço à fome! Levantar-me-ei, irei procurar meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; faze de mim como de um dos teus jornaleiros.
Levantou-se, pois, e foi ao encontro de seu pai. E quando ele ainda vinha longe, viu-o seu pai, que ficou movido de compaixão, e, correndo, lançou-lhe os braços ao pescoço, para o abraçar, e o beijou.
E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho.
Então disse o pai aos seus servos: Trazei depressa o seu melhor vestido, e vesti-lho, e metei-lhe um anel no dedo, e os sapatos nos pés; trazei também um vitelo bem gordo, e matai-o, para comermos e nos regalarmos, porque este meu filho era morto, e reviveu, tinha-se perdido, e achou-se. E começaram a banquetear-se.
Seu filho mais velho estava no campo, e, quando veio e foi chegando a casa, ouviu a música e as danças. Chamou um dos servos e perguntou-lhe que era aquilo. Este lhe disse:
É chegado teu irmão, e teu pai mandou matar um novilho cevado, porque veio com saúde.
Ele então se indignou e não queria entrar; mas, saindo, o pai começou a rogar-lhe que entrasse, ao que lhe deu esta resposta: Há tantos anos que te sirvo, sem nunca transgre dir mandamento algum teu e nunca me deste um cabrito para eu me regalar com meus ami gos; mas, tanto que veio este teu filho, que gastou tudo quanto tinha com prostitutas, logo lhe mandaste matar um novilho gordo.
Então lhe disse o pai: Filho, tu sempre estás comigo, e tudo que é meu é teu; era, porém, necessário que houvesse banquete e festim, pois que este teu irmão era morto, e reviveu, tinha-se perdido, e achou-se.” (capí tulo 15)
Estas três parábolas, como se nota clara mente, podem reduzir-se a uma só, pois sua ideia central é a mesma: a salvação de todas as almas.
Jesus previa, porém, que seus ensinamen tos seriam desnaturados pelas agremiações religiosas, pressentia que iriam desfigurar com pletamente o caráter paternal de Deus, qual ele no-lo veio revelar, e, por isso, deixou-nos aqui esta tríplice afirmação do Seu amor e de Sua misericórdia, num solene e formal desmentido às penas eternas do inferno.
2
Procuremos entender bem, num exame mais profundo, os belíssimos ensinamentos contidos em cada uma dessas três parábolas.
As cem ovelhas da primeira são o domínio universal de Deus.
Cem, número perfeito, simboliza a totali dade dos seres que compõem as humanidades espalhadas pelas inumeráveis moradas da casa do Pai.
A ovelha desgarrada somos nós, os ter rícolas, espíritos rebeldes à Lei de Deus.
O pastor dessa ovelha é Jesus, o governa dor do planeta Terra.
Como é que os lanígeros se perdem?
Pelo apetite. Atraídos pelas ervas tenras de certas regiões, vão-se afastando cada vez mais do pastor, a ponto de não mais poderem ouvir-lhe a voz, quando, à tarde, ele os chama para o retorno ao aprisco.
Também nós outros, em nossa jornada evolutiva, temo-nos transviado pelas desordens do apetite. Deixamo-nos seduzir pelo munda nismo; andamos à cata de gozos e conquistas materiais; familiarizamo-nos com os vícios, que se degeneram em maus costumes; entregamo-nos às paixões e aos excessos de toda a ordem; movidos pela ambição, enveredamos, muitas vezes, pelos ínvios caminhos do crime; deso rientamo-nos, afinal, em tão sinuoso labirinto, e, entregues ao desespero, já não atinamos como voltar para a companhia de nossos irmãos situados em melhor plano.
Assegura-nos, porém, a parábola, que não ficaremos perdidos para sempre, pois Jesus, “o bom pastor, que dá a própria vida pelas suas ovelhas” (João, 10:11), virá a nossa procura, até que nos encontre e nos ponha a salvo.
Não há aqui a menor sombra de dúvida. A locução conjuntiva “até que” expressa fiel mente que o pegureiro que nos apascenta não descansará enquanto não alcançar o seu obje tivo, isto é, enquanto não realizar sua obra de redenção.
E assim como o pastor congrega amigos e vizinhos, também ele reúne seus cooperadores e lhes diz: “Alegrai-vos comigo porque achei a minha ovelha, que se achava perdida.”
Notemos que Jesus não diz: alegrai-vos com a ovelha encontrada, mas sim: “alegrai -vos comigo”, patenteando assim toda a afeição que nos devota. Porque muito nos ama, a nossa vida, a nossa salvação é que constitui a alegria dele!
Notemos ainda que a ovelha transviada não foi tratada brutalmente, não recebeu qual quer açoite, antes foi reconduzida aos ombros, com desvelo e carinho.
Isto significa que Deus não extermina os que fracassam, os que erram e se extraviam; encontra sempre um meio de enviar-lhes o ne cessário socorro, pois somos criaturas Suas, pertencemos-Lhe, e, como disse sabiamente alguém: “as obras de Deus não foram feitas para morrer”.
A corroboração deste raciocínio, temo-la nesta outra afirmativa do Cristo: “Eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade d’Aquele que me enviou, e esta é a vontade daquele Pai, que me enviou: que ne nhum eu perca de todos aqueles que ele me deu.” (João, 6:38,39)
A parábola da dracma dá-nos a compreen der que fomos feitos à imagem e semelhança de Deus, visto que nessa moeda acha-se ins culpida a efígie do rei.
Jesus, prefigurado pela dona de casa, en quanto procura a moeda que se perdeu, conduz uma lanterna acesa. Essa lanterna, ou seja, essa luz que ele traz na mão, é o Evangelho, é a doutrina cristã, a cujo clarão todos quan tos se acham envoltos nas trevas da ignorância e da iniquidade serão, afinal, encontrados.
A varredura é a representação dos traba lhos, dos sofrimentos e expiações por que te mos que passar, até que nos expurguemos de todas as mazelas, de todas as imperfeições, sejamos, enfim, arrancados do pó e readqui ramos o brilho característico da pureza.
Dessa triade de parábolas, como já dis semos, ressalta um mesmo axioma inconteste: a unidade do destino, a salvação de todos, por via da lei do progresso que rege o universo. O justo já foi pecador, o pecador há-de tor nar-se justo; daí o júbilo entre os anjos (jus tos) no céu, por um pecador que se arrepende e se regenera.
3
Na terceira parábola com que Jesus res pondeu aos murmuradores que o censuravam por conviver com gente de má fama, sobressai, em toda a sua crueza, a culpa dos pecadores, e, com esse pormenor, mais ainda se realça a infinita bondade divina.
Após receber todos os haveres que lhe couberam em partilha, o moço afasta-se de seu pai para uma terra distante, esquece-o, e, entregue a uma vida de desregramentos, afun da-se na miséria.
É o que acontece também a nós outros, em relação a Deus: apartamo-nos d’Ele, não pela distância, porque Deus está em toda a parte, mas pelo coração, e, olvidando-Lhe as leis, entregamos nossa alma a toda a sorte de desatinos, perdendo a retidão do juízo, a can dura do sentimento, a sensibilidade da cons ciência e o discernimento justo do bem e do mal.
Vendo-se arruinado, o pródigo coloca-se, então, sob a dependência de um dos moradores da tal terra e é mandado a guardar o gado imundo. Ali, quer saciar-se com aquilo que é dado como alimento aos animais de seu amo, mas o que lhe dão deixa-o a desfalecer de fome.
O que a parábola aqui nos ensina é que as vaidades mundanas, as sensualidades grosseiras e suínas, com as quais muitos se compra zem, tal qual as cascas sem substâncias (re pasto dos porcos), que só enchem e pesam, mas não alimentam, ao cabo de algum tempo conduzem fatalmente à fome de espírito e de coração, como a sentiu afinal o nosso estróina.
Nessa situação aflitiva, cai em si, recor da-se do pai e resolve voltar a penates, certo de que ele lhe há-de perdoar.
Isto nos faz compreender a missão provi dencial da dor. Quando na terra tudo nos corre às mil maravilhas, nem sequer cogitamos se Deus existe ou deixa de existir. Visite-nos a desgraça, porém, e nossa alma, quebrantada, logo se volta para o céu, porque só de lá nos podem vir as consolações e o refrigério de que necessitamos.
Põe-se então a caminho — continua a his torieta — e “quando ainda vinha longe, viu-o seu pai”. Não se contém, não espera que o filho se aproxime, que lhe fale e se humilhe. Corre-lhe ao encontro, abraça-o e beija-o en ternecidamente.
— “Pai — exclama o pródigo —, pequei contra o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho.”
O pai não lhe dá tempo de acrescentar as palavras que pensava dizer: “Trata-me como um de teus jornaleiros.”
Tal é o arrebatamento de seu amor pater no, que, antes mesmo que o filho lhe fizesse uma só confissão do seu passado de prevari cações, vergonhas e dores, já ele o havia aco lhido com sua demência.
E exclama aos seus servos: “Tirai-lhe esses andrajos e vesti-lhe o seu antigo traje”, pois assim me apraz ver restituido o meu fi lho, em sua primitiva dignidade. “E enfiai-lhe um anel no dedo”, símbolo de autoridade se nhorial, pois fica reintegrado em seu lugar de filho e herdeiro dos bens paternos: “calçai-o”, para que seus pés não se firam pelo chão; “matai um vitelo gordo, e comamos, e regozije mo-nos, porque este meu filho que me morrera, aqui o tenho de novo em meu regaço.
É exatamente assim que Deus procede conosco.
A carga de nossos erros impede-nos que nos cheguemos à Sua presença, mas Ele desce até nós, acerca-se de nossas almas penitentes, toma-nos em Seus braços, dá-nos o ósculo de perdão, e, todo ternura, acolhe-nos em Seus domínios. Pai amantíssimo que é, “não quer a morte do filho mau e ingrato, mas sim que ele se converta, que abandone o mau caminho, e viva”.
Lição mais consoladora e suave do que esta não há em todo o Evangelho.
Ninguém se perde, pois não há culpas ir reparáveis!
Em nosso relativo livre arbítrio, podemos dilapidar, na satisfação de bastardos apetites, as riquezas que nos foram concedidas pelo doador da Vida.
Virão depois, entretanto, os efeitos dolo rosos, e com eles o arrependimento e a resolu ção de emendar-nos.
É quando Deus, que lê os nossos mais recônditos pensamentos, vem ao encontro de nosso esforço individual, e, harmonizando os ditames de Sua justiça com a superabundância de Sua misericórdia, enseja-nos, através das reencarnações, os meios de reabilitar-nos, de redimir-nos e de retornarmos, infalivelmente, à glória inefável de Sua companhia.
4
Essas três parábolas, é bem de ver-se, deviam ter deixado descontentes os escribas e fariseus que exprobravam o Mestre pelo bom acolhimento que dispensava aos pecadores.
A parte final da terceira, em que é focali zado o comportamento do filho mais velho, que se recusa a entrar em casa por lá se festejar o retorno do irmão, é-lhes dedicada, e retrata com muita fidelidade a pobreza de seus senti mentos e a secura de suas almas.
Existem, ainda hoje, desses tais. São cer tos tipos de religiosos, dogmáticos e intransi gentes, que desejam a todo transe o céu exclu sivamente para eles e se indignam à simples ideia de serem acolhidos por Deus também os profitentes de outras crenças, os quais têm na conta de hereges imundos e desprezíveis.
Não obstante se reputem muito justos e fiéis observadores dos códigos divinos, reve lam-se tremendamente egoístas e descaridosos, porqüanto desejariam monopolizar a herança e o convívio do Pai Celestial e folgariam em ver os outros excluídos, para sempre, dessa felicidade.
Ressalta, ainda, desse episódio, uma ver dade proclamada pelo Espiritismo e que a mui tos tem passado despercebida: a de que não basta que nos abstenhamos do mal, nem é su ficiente que cultivemos uma fé inoperante para fazermos jus às alegrias do céu. É ne cessário, é condição indispensável para isso, que tenhamos desenvolvido em nós o amor.
Haja vista o exemplo do primogênito. Ar vora-se em puritano, jacta-se de nunca haver transgredido os mandamentos, mas o seu co ração é todo mesquinhez e impiedade, e, devorado por inveja torpe, não percebe que o seu despeito contra o próprio irmão o impede de compartilhar do regozijo que vai pela casa paterna.
Acompanhemos atentamente sua objurga tória e notemos quanto azedume dela res sumbra:
“Há tantos anos que te sirvo — diz ele ao pai —, sem nunca transgredir mandamento algum teu e nunca me deste um cabrito para eu me regalar com meus amigos; mas tanto que veio este teu filho, que gastou tudo quanto tinha com prostitutas, logo lhe mandaste ma tar um novilho gordo.”
Essa linguagem faz lembrar a daquele fa riseu que, orando no templo, ereto, cheio de soberba, exaltava os próprios méritos, consi derando-se superior a todos os outros homens, cuja oração, entretanto, não foi aceita porque, ao mesmo tempo que fazia alarde de suas vir tudes, se referia com desdém ao publicano, o que constitui falta de caridade, ou seja, de amor ao próximo.
E o primogênito, porque não penetrou na casa do Pai, apesar de instado para que o fi zesse?
Também por lhe faltar esse sentimento, eis que não quis ver naquele pródigo o “seu” irmão, cuja volta o devia alegrar, mas apenas um dissoluto, a quem se devesse enxotar.
Termina a parábola do filho pródigo com o primogênito “de fora” sabemos, todavia, que a vida é eterna e que as portas do céu jamais se fecham, permanecendo abertas para os pecadores arrependidos de todos os matizes.
Assim sendo, uns mais cedo, outros mais tarde, todos hão-de “cair em si” e, desse des pertar de consciência, dessa contrição sincera, resulta sempre o retorno aos braços amoráveis e ternos do Criador.
Aprendamos, pois, a lição áurea que o Divino Mestre nos deixou: Deus é pai de toda a Humanidade, sem acepção de raça, cor ou crença, e, em Sua sabedoria, sabe como e quan do deve agir para atrair a Si cada um de nós.
Consequentemente, todos somos irmãos, e, como tal, cumpre nos unamos, nos confraternizemos e nos auxiliemos uns aos outros, alijando de nossos corações o sectarismo, a animosidade e os ciúmes.
Lembremo-nos de que a casa do Pai celestial é suficientemente ampla, e as reservas do Seu amor, inexauríveis, dando, de sobejo, para agasalhar e felicitar a totalidade de Seus filhos!
22
Parábola do mordomo infiel
“Havia um homem rico que tinha um mordomo; e este lhe foi denunciado como es banjador dos seus bens. Chamou-o, então, e lhe disse: Que é isto que ouço dizer de ti? Dá conta da tua administração, pois não podes mais ser meu administrador.
Disse o mordomo consigo: Que hei-de fa zer, uma vez que meu amo me tira a adminis tração? Não sei cultivar a terra, e de mendi gar tenho vergonha. Já sei o que farei, a fim de que, quando me houverem tirado a mor domia, encontre pessoas que me recebam em suas casas.
Chamou cada um dos que deviam a seu amo e perguntou ao primeiro: Quanto deves a meu amo? O devedor respondeu: cem cados de óleo. Disse-lhe então: Toma a tua obriga ção, senta-te ali e escreve depressa outra de cinquenta.
Perguntou em seguida a outro: Quanto deves tu? Respondeu ele: cem cados de trigo.
Disse-lhe: Toma o documento que me deste e escreve um de oitenta.
O amo, sabendo de tudo, louvou o mor domo infiel, por haver procedido com atila mento, porque os filhos do século são mais avisados no gerir seus negócios do que os filhos da luz.
E eu vos digo: Empregai as riquezas da iniquidade em granjear amigos, a fim de que, quando elas vierem a faltar-vos, eles vos re cebam nos tabernáculos eternos. Aquele que é fiel nas pequenas coisas sê-lo-á também nas grandes, e quem é injusto no pouco também o é no muito. Ora, pois, se não houverdes sido fiéis no tocante às riquezas de iniquidades, quem vos confiará as verdadeiras? Se não fostes fiéis com o alheio, quem vos dará o que é vosso?” (Lucas, 16:1-12)
*
Esta parábola, interpretada ao pé da le tra, pode dar a entender que o Mestre esteja apontando o roubo e a fraude como exemplos de conduta dignos de serem imitados.
Considerada, porém, em seu verdadeiro sentido, segundo o espírito que vivifica, encer ra uma profunda lição de sabedoria e de bon dade que poucos hão sabido entender.
Inicialmente, identifiquemos as duas prin cipais personagens da historieta evangélica, e o local em que a ação se desenrola.
O rico proprietário é Deus, o Poder absoluto que sustenta todo o Universo; o mordomo é a Humanidade, ou seja, cada um de nós; e a fazenda é o planeta Terra, campo em que se desenvolve atualmente nossa evolução.
Os bens que nos foram dados a adminis trar é tudo o de que nos jactamos estultamen te nesta vida: propriedades, fortuna, posição social, família e até mesmo nosso corpo físico.
Todas essas coisas nos são colocadas à disposição pelo Supremo Senhor, durante al gum tempo, a fim de serem movimentadas para benefício geral, mas, em realidade, não nos pertencem.
A prova disso está em que sempre chega o dia em que seremos despojados delas, quer o desejemos, quer não.
Nossa infidelidade consiste em utilizarmo -nos desses recursos egoisticamente, como se fossem patrimônio nosso, dilapidando-o ao sa bor de nossos caprichos, esquecidos de que não poderemos fugir à devida prestação de contas quando, pela morte, formos despedidos da mordomia.
Pois bem, já que abusamos da Providência, malbaratando os bens de que somos simples administradores, tenhamos ao menos o atua mento do mordomo de que fala a parábola.
Que fez ele? Para ter quem o favorecesse, quando demitido do cargo que desempenhava, tratou de fazer amigos, reduzindo as contas dos devedores de seu amo.
É o que Jesus nos aconselha fazer, quando diz: “granjeai amigos com as riquezas iníquas”.
Em outras palavras, isto significa que os sofredores de todos os matizes são criaturas que se acham endividadas perante Deus, são pecadores que têm contas a saldar com a Jus tiça Divina, e auxiliá-los em suas necessidades, minorar-lhes as dores e aflições, equivale a diminuir-lhes as dívidas, de vez que, via de regra, todo sofrimento constitui resgate de dé bitos contraídos no passado.
Se assim agirmos, ganharemos a amizade e a gratidão desses infelizes, que se solidariza rão conosco quando deixarmos este mundo, bem assim a complacência do Pai celestial, porque muito Lhe apraz ver-nos tratar o próximo com misericórdia.
Não falta, aqui na Terra, quem admire “os filhos do século” pelo fato de se empenha rem a fundo, com inteligência, denodo e sacri fícios até, no sentido de assegurarem aquilo a que chamam “o seu futuro”.
Quão maiores louvores, entretanto, have riam de merecer de Deus “os filhos da luz”, os já esclarecidos acerca da vida espiritual, se procedessem com igual esforço e dedicação, empregando a bondade na conquista dos planos superiores, situados além deste orbe de trevas?
Sejamos, pois, colaboradores fiéis da Di vindade, gerindo os bens materiais de que dispusermos em conformidade com os ensinamen tos sublimes que nos foram ditados por Jesus no Sermão da Montanha; assim fazendo, esta remos acumulando, no céu, um tesouro verdadeiramente imperecível. Sim, porque as virtu des cristãs, que formos adquirindo no convívio com nossos semelhantes, são as únicas riquezas efetivamente nossas, e só elas nos poderão dar a felicidade perfeita, nos tabernáculos eternos!
23
Parábola do rico e Lázaro
“Havia um homem rico que se vestia de púrpura e linho finíssimo, e se banqueteava magnificamente todos os dias.
Havia também um pobre mendigo chama do Lázaro, que jazia coberto de úlceras à porta do rico, e que bem quisera saciar-se com as migalhas que caíam da mesa deste, mas nin guém lhas dava; e os cães vinham lamber-lhe as chagas.
Ora, aconteceu que o mendigo morreu e foi transportado pelos anjos ao seio de Abraão. O rico morreu também e teve o inferno por sepultura. Quando este, dentro dos seus tormen tos, levantou os olhos e ao longe viu Lázaro no seio de Abraão, disse em gritos estas pala vras: Pai Abraão, tem piedade de mim e manda-me Lázaro para que, molhando n’água a ponta do dedo, me refresque a língua, pois sofro tormentos nestas chamas.
Abraão, porém, lhe respondeu: Filho, lem bra-te de que recebeste bens em tua vida e de que Lázaro só teve males; por isso ele agora é consolado e tu és atormentado. Demais, grande abismo existe entre nós e vós, de modo que os que querem passar daqui para lá não o podem, como também não se pode passar de lá para cá.
Replicou o rico: Pai Abraão, eu te suplico, então, que o mandes à casa de meu pai, onde tenho cinco irmãos, para lhes dar testemunho destas coisas, a fim de que eles não venham a cair neste lugar de tormentos.
Abraão lhe retrucou: Eles têm Moisés e os profetas; que os escutem.
Não, Pai Abraão, insistiu o rico, se algum dos mortos lhes for falar, eles farão penitência.
Se não escutam nem a Moisés nem aos profetas — retorquiu Abraão —, não acredi tariam do mesmo modo, ainda que algum dos mortos ressuscitasse.” (Lucas, 16:13-31)
Esta parábola narra a sorte de dois Espí ritos após uma existência terrena, em que um escolhera a prova da riqueza, e outro a da po breza.
O primeiro, como em geral acontece a todos os ricos, esquecido das leis de amor e fraternidade que devem presidir às relações dos homens entre si, empregou seus haveres exclusivamente na ostentação, no luxo, no com prazimento pessoal, demonstrando-se insensí vel e indiferente à miséria e aos sofrimentos do próximo; o segundo, faminto e doente, relegado ao mais completo abandono, demente, sem revolta, as dores e privações que lhe martirizaram a existência.
Afinal, fazem a passagem para o outro lado da vida, onde a situação de ambos se modifica por completo.
O rico, porque vivera egoisticamente e fora desumano, deixando que um pobre enfer mo passasse fome à porta de seu palácio, en quanto se regalava com opíparos jantares re gados a vinhos e licores, começou a ser tortu rado por um profundo sentimento de culpa, enquanto Lázaro, por haver sofrido com pa ciência e resignação as agruras da vida misér rima que levara, gozava, agora, indizível ven tura em elevado plano da espiritualidade.
Nessa conjuntura, suplica o rico seja per mitido a Lázaro ir amenizar-lhe a sede que o atormenta. Evidentemente, sede de consola ção, sede de misericórdia, pois, como Espírito, não iria sentir necessidade de água material.
É-lhe esclarecido, então, o porque de seu atual padecer e o da felicidade de Lázaro, si tuação essa impossível de ser modificada de pronto, em virtude do “abismo” existente en tre ambos. Como facilmente se percebe, tam bém aqui não se trata de abismo físico, mas sim moral. Havendo triunfado em sua prova ção, Lázaro alcançara um estado de paz interior que o mau rico não poderia experimentar, e este, em razão de seu fracasso, sentia-se angustiado e abrasado de remorsos, coisas que o outro, logicamente, não poderia sentir, pois os estados de consciência são pessoais e im permutáveis.
Lembra-se o rico, então, de pedir fosse o espírito de Lázaro enviado à presença de seus irmãos para avisá-los do que lhe sucedera, a fim de se corrigirem a tempo e evitarem iguais padecimentos, post-mortem.
A negativa de Abraão, ao dizer: “Eles têm lá Moisés e os profetas: que os escutem”, foi muito lógica, pois ninguém precisa de orien tação particular para nortear sua conduta, quando já tenha conhecimento dos códigos mo rais vigentes.
O mau rico insiste, porém, no pedido em favor de seus irmãos, argumentando que, ante a manifestação de um morto, eles haveriam de penitenciar-se do personalismo egoísta que também os caracterizava.
Retruca Abraão, fazendo-o sentir a inuti lidade dessa providência, pois se eles não pra ticavam os preceitos de solidariedade humana ensinados por Moisés e pelos profetas, cuja autoridade era reconhecida por todo o povo judeu, muito menos haveriam de ouvir e aten der ao que lhes fosse dito pelo espírito de Lázaro.
Como se vê, esta parábola confirma plenamente dois pontos básicos da Doutrina Es pírita:
Primeiro, o de que as penas ou recompen sas futuras são consequentes aos feitos de cada um, e não baseadas em questões de fé, como se diz por aí.
Segundo, o de que as comunicações de além-túmulo são possíveis, fazendo parte da crença universal desde aqueles tempos, con quanto pudesse haver, como ainda hoje os há, incrédulos sistemáticos, que as neguem.
24
Parábola dos servos inúteis
“Disseram os apóstolos ao Senhor: Au menta-nos a fé.
E o Senhor respondeu: Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esta amo reira: arranca-te e transplanta-te no mar, e ela vos obedecerá. Qual de vós, tendo um ser vo ocupado na lavoura ou guardando gado, lhe dirá, quando ele se recolher do campo: vai já pôr-te à mesa, e que, ao contrário, não lhe ordene: prepara-me a ceia, cinge-te, e serve-me enquanto eu como e bebo; depois comerás tu e beberás? E quando o servo tenha feito tudo o que lhe foi ordenado, porventura lhe fica o senhor em obrigação? Creio que não. Pois assim também vós, depois de terdes feito tudo o que vos foi mandado, dizei: Somos uns servos inúteis; fizemos apenas o que devíamos fazer.” (Lucas, 17:5-10)
*
Como se depreende facilmente do texto supra, ao tempo em que Jesus esteve entre nós, os operários rurais, finda sua jornada de trabalho no campo, tinham ainda outros de veres, quais sejam: preparar e servir a ceia a seus patrões, e só então é que iam cuidar de si mesmos.
Era, sem dúvida, um regime duro, inacei tável nos dias de hoje, mas, como fazia parte do contrato de emprego, nenhum trabalhador achava, nem poderia achar, que fazia mais do que a obrigação. Nem seus amos, tão-pouco, ficavam a dever-lhes qualquer reconhecimento, por isso.
O Mestre, com sua capacidade extraordi nária de improvisar as mais sábias lições, aproveitando-se da paisagem que o circundava ou dos costumes da época, ao ouvir a rogativa dos apóstolos: “Senhor, aumenta-nos a fé”, de pois de exaltar os poderes miraculosos desta preciosa virtude, fá-los compreender que, para ser fortalecida, a fé tem que se apoiar em atos de benemerência, em devotamento ao próximo, em renúncia pessoal a benefício dos seme lhantes.
Assim como a percepção de maiores ren dimentos pecuniários, seja na lavoura, no co mércio ou na indústria, depende da produtivi dade de cada um, também a fé, que é o salário da alma, só pode ser aumentada naqueles que demonstrem espírito de serviço, e se empe nhem, com afinco, no campo do altruísmo e da fraternidade cristã.
Sim, porque, como disse Tiago: “a fé sem obras é morta”, e o que está morto não pode crescer, não é passível de desenvolvimento. Só os organismos vivos é que possuem essa faculdade.
Aqueles que dizem: “a fé é uma só”, e supõem seja ela infundida de um jato, como um favor do céu a uns poucos privilegiados, evidentemente laboram em erro.
Ensinando, aos que partilhavam do colégio apostólico, qual o “processo” para aumentá-la, Jesus desmente tal concepção, eis que não há nada estático no universo, e a fé, como tudo o mais, também é dinâmica, evolve e se aper feiçoa.
Mister, entretanto, que, na prática do Bem, guardemos sempre uma atitude de sin cera modéstia, alijemos de nosso coração qual quer laivo de orgulho, qualquer pretensão de superioridade. Após cada gesto de amor que tenhamos ensejo de praticar, demos graças a Deus pela oportunidade de servir que nos ofe receu, dizendo-lhe humildemente: “Somos uns servos inúteis; fizemos apenas o que devíamos fazer.”
25
Parábola do juiz iníquo
Querendo Jesus ensinar a seus discípulos que deviam orar sempre e nunca desanimar, propôs-lhes a seguinte parábola:
“Havia em certa cidade um juiz, que não temia a Deus nem respeitava os homens.
Havia também naquela mesma cidade uma viúva que vinha constantemente ter com ele, dizendo: Faze-me justiça contra o meu ad versário.
Ele, por algum tempo, não a queria aten der, mas depois disse consigo: Se bem que eu não tema a Deus, nem respeite os homens, mas, como esta viúva me incomoda, julgarei a sua causa, para que ela não continue a molestar-me com suas visitas.
Ouvi, acrescentou o Mestre, o que disse esse juiz injusto; e não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que a ele clamam dia e noite, embora seja demorado a atendê-los? Digo-vos que bem depressa lhes fará justiça.” (Lucas, 18:1-8)
*
Conquanto diferente na forma, esta pará bola se assemelha bastante, na essência, àquela outra, do Amigo Importuno, registrada pelo próprio evangelista Lucas, no cap. 2º, vs. 5 a 13.
Nesta, como naquela, Jesus nos exorta a confiar na Justiça Divina, na certeza de que, consoante o refrão popular, ela “tarda, mas não falha”.
De fato, se mesmo homens iníquos, isto é, maldosos, perversos, insensíveis aos direitos do próximo e indiferentes à moral, como o juiz de que nos fala o texto acima, não resistem ao assédio daqueles que lhes batem à porta com insistência, e, para verem-se livres de impor tunações, acabam resolvendo-lhes as questões, como poderia Deus, que é a perfeição absoluta, deixar de atender aos nossos justos reclamos e solicitações?
Se, malgrado todas as deficiências e fra quezas dos que, na Terra, presidem aos servi ços judiciais, as causas têm que ser soluciona das um dia, ainda que com grande demora, porque duvidar ou desesperançar das provi dências do Juiz Celestial?
Ele, que não é indiferente sequer à sorte de um pardal, que tudo sabe, tudo pode e tanto nos ama, negligenciaria a respeito de nossos legítimos interesses, deixar-nos-ia sofrer qual quer injustiça, mínima que fosse?
Não!
Quando, pois, sintamos que o ânimo nos desfalece, por afigurar-se que os males que nos afligem sobreexcedem nossas forças, ore mos e confiemos.
Deus não desampara a nenhum de Seus filhos.
Se, às vezes, parece não ouvir as nossas súplicas, permitindo perdurem nossos sofri mentos, é porque, à feição do lapidário emérito, que se esmera ao extremo no aperfeiçoamento de suas gemas preciosas, também Ele, sabendo ser a Dor o melhor instrumento para a lapida ção de nossas almas, nos mantém sob a sua ação enérgica, mas eficiente, a fim de que sejam quebradas as estrias de nosso mau ca ráter, nos expunjamos de nossas mazelas e nos tornemos, o mais breve possível, dignos de ascender à Sua inefável companhia.
Sim, em todos os transes difíceis da exis tência, oremos e confiemos.
Se o fizermos com fé, haveremos de sen tir que, embora os trilhos da experiência que nos cumpre palmilhar continuem cheios de pe dras e de espinhos, a, oração, jorrando luz à nossa frente, nos permitirá avançar com segu rança, vencendo, incólumes, os tropeços do caminho!
26
Parábola do fariseu e do publicano
“Propôs Jesus esta parábola a uns que confiavam em si mesmos, como se fossem jus tos, e desprezavam os outros:
Subiram dois homens ao templo para orar: um fariseu, e outro publicano.
O fariseu orava de pé, e dizia assim: Gra ças te dou, ó meu Deus, por não ser como os outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros. E não ser também como é aquele publicano. Eu, por mim, jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de tudo quanto possuo.
Apartado a um canto, o publicano nem sequer ousava erguer os olhos para o céu; batia no peito, e exclamava: Meus Deus, apiedai-vos de mim, pecador.
Digo-vos, acrescentou Jesus, que este vol tou justificado para sua casa, e o outro não, porque todo aquele que se exalta será humi lhado, e todo aquele que se humilha será exal tado.” (Lucas, 18:9-14)
*
Para o perfeito entendimento desta pará bola, faz-se mister, antes de mais nada, conhe cer que significam os termos que lhe servem de título.
Fariseus eram os seguidores de uma das mais influentes seitas do Judaísmo. Demonstravam grande zelo pelas suas tradições teoló gicas, cumpriam meticulosamente as práticas exteriores do culto e das cerimônias estatuídas pelo rabinismo, dando, assim, a impressão de serem muito devotos e fiéis observadores dos princípios religiosos que defendiam. Na reali dade, porém, sob esse simulacro de virtudes, ocultavam costumes dissolutos, mesquinhez, secura de coração e, sobretudo, muito orgulho.
Publicanos eram os arrecadadores de im postos públicos exigidos pelos romanos ao povo judeu, no exercício de cujo mister tinham opor tunidade de amealhar fortuna, pelo abuso das exações.
Os judeus, que mal podiam suportar a do minação romana e não se conformavam com o pagamento de impostos, que julgavam ser con tra a lei, fizeram do caso uma questão reli giosa.
Abominavam, pois, esses agentes do Fisco, considerando, mesmo, um comprometi mento ter qualquer intimidade com eles. Em suma, eram os publicanos renegados como gente da pior espécie.
Isto posto, vamos à interpretação da pa rábola, propriamente.
Seu objetivo é apontar o orgulho como elemento prejudicial à salvação e, ao mesmo tempo, ressaltar quanto a humildade pode valer-nos ante a justiça divina.
Mostra-nos, então, na atitude do fariseu, tido e havido como o tipo acabado do crente ortodoxo, até onde pode chegar a soberba humana. Já na postura que assume — ereto, tórax saliente — patenteia seu orgulho. Ora, mas suas palavras são uma sequência de arro gância e presunção. Diz: “Senhor, eu vos agra deço” entretanto, é a si mesmo que atribui os merecimentos de que se ufana; merecimentos que, a seu ver, o tornam criatura sem jaça, pois não lembra, sequer, de suplicar: “perdoai, Senhor, nossas dívidas”. Ocorre-lhe apenas isto: “Eu não sou como os outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros.” Não alude a “alguns homens” nem a “muitos homens”, mas “aos outros homens”, considerando-se, assim, o único varão perfeito à face da Terra!
Ao ver o publicano, acrescenta, com sobe rano desprezo: “esse aí é como todos os ou tros”. Põe-se em seguida a exaltar os próprios méritos, as boas ações que faz, e nisso se re sume a sua oração.
Já o publicano, que diferença! Aparta-se a um canto do templo, avergado, como que a sentir o peso da própria consciência. Sua hu mildade lhe permite uma justa apreciação de si mesmo, o reconhecimento de suas culpas e imperfeições; por isso bate no peito, contrito, e exclama: “Meu Deus, tende piedade de mim, pois sou um grande pecador!”
Pois este, e não o outro, foi quem se reti rou justificado, sentenciou Jesus, finalizando a lição.
Sim, porque aos olhos de Deus não basta que nos abstenhamos do mal e nos mostremos rigorosos no cumprimento de determinadas re grazinhas de bom comportamento social; aci ma disso, é-nos necessário reconhecer que todos somos irmãos, não nos julgarmos superiores a nossos semelhantes, por mais culpados e mise ráveis que pareçam, nem tão-pouco desprezá -los, porque isso constitui, sempre, falta de caridade.
Por outro lado, a humildade sincera é o melhor agente de nossa reforma íntima, de nosso progresso espiritual. Atrai sobre nós as bênçãos divinas e a ajuda de nossos anjos guardiães, que, percebendo-nos o propósito de reprimir os males de que somos portadores, dão-nos as sugestões adequadas e o amparo preciso à colimação desse desiderato.
Saibamos, pois, aproveitar o ensino do Mestre, sendo rigorosos e intransigentes com nós mesmos, brandos e indulgentes com os outros.
27
Parábola da semente
“O reino de Deus é como um homem que lança a semente na terra e, enquanto está dormindo ou acordado, de noite e de dia, a. semente brota e cresce sem ele saber como, porque a terra produz, por si mesma, primei ramente a erva, depois a espiga e por último o grão graúdo na espiga.
E quando o fruto amadurece, logo lhe mete a foice, porque é chegado o tempo da ceifa.” (Marcos, 5:26-29)
*
A terra é, realmente, algo de maravilhoso.
Semelha um imenso laboratório, em cujo recesso os elementos da natureza passam pelos mais surpreendentes quimismos, convertendo-se em substâncias saborosas e nutritivas, de que o homem necessita para a formação e ma nutenção de seu corpo físico.
Basta que a semente lhe seja deitada no seio ubertoso para que, ao cabo de algum tem po, germine, cresça e frutifique.
Impelida por uma força inteligente, que escapa à compreensão humana, o germe se transforma em plântula; esta, ao mesmo tempo que deita raízes, organiza a haste com que fende a terra e vem saudar a luz. Aparece, então, aos olhos de todos, verde como a espe rança; vai-se desenvolvendo mais ou menos rapidamente, segundo a sua espécie, até que um dia surgem as espigas, nas quais, afinal, repontam os preciosos grãos.
Depois, é só esperar que amadureçam ao calor do sol, proceder à ceifa e recolher os frutos nos celeiros.
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A mesma força que determina os fenôme nos da germinação, desenvolvimento e frutifi cação das plantas, fará, também, que o “reino de Deus” se instale na Terra, pelo triunfo do Evangelho.
A Lei de Amor, síntese de todas as leis divinas, lançada na Palestina através da pala vra de Jesus, tendo caído em campo propício — o coração dos primeiros apóstolos — ger minou, floresceu e produziu frutos a cento por um.
Transplantada, posteriormente, para ou tras regiões do planeta, continua a multipli car-se, felicitando a um número cada vez maior de criaturas e dia virá em que essa felicidade há-de cobrir a Humanidade toda.
Há quem diga, ou por desconhecer a His tória da Civilização, ou porque tenha a visão obliterada, que os homens nunca foram tão egoístas, odientos e corruptos como na atuali dade. Isso, entretanto, não é a verdade.
Antes do Cristo, este mundo conheceu gê nios e sábios extraordinários, a exemplo de Alexandre Magno, Fídias, Platão, Aristóteles, Arquimedes, Pitágoras, Homero, Péricles, etc., criadores de impérios e de obras-primas no campo da arte, da filosofia, da ciência, da poesia ou da política; ninguém, todavia, que houvesse ensinado ao homem o respeito à vida e o amor aos semelhantes.
Na Grécia e em Roma, onde aquelas ex pressões intelectivas chegaram ao apogeu, o infanticídio era prática generalizada; os par tos defeituosos eram atirados a esgotos es cusos; os filhos de criminosos eram abandona dos à própria sorte; o homem livre podia matar o seu escravo; a propriedade era coisa precá ria; a crueldade atingia as raias do sadismo, e os costumes, nem é bom falar...
Imperadores romanos: Tibério, Calígula, Nero e outros intitulavam-se deuses; matavam e saqueavam, inventavam volúpias e suplícios, e ainda tinham áulicos ilustres, qual Sêneca, que os defendiam e desculpavam, pois... “es tavam no seu direito, eram criaturas sagradas!”
Não é só: até o advento do Cristianismo, não havia na Terra um só hospital ou casa de caridade, nem instituição alguma de assistên cia aos necessitados.
Hoje, inegavelmente, ainda há muita mal dade por este mundo afora, mas, ao influxo da moral cristã, quantas almas já se elevaram à santidade, quantas obras notáveis se ergueram, de amparo e socorro aos infelizes, quantos co rações generosos e bem formados se abrem à piedade, solidários com as dores e aflições do próximo!
Malgrado, pois, às aparências em contrá rio, caminhamos para um futuro melhor, em que a Paz e a Justiça, frutos abençoados do Amor, permanecerão na Terra, para sempre.
Graças a Deus!
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